sábado, 15 de outubro de 2016

O que é literatura?

Terry Eagleton ainda não me respondeu. Nem me responderam meus professores nem o senso comum das redes sociais. Há vislumbres, porém…

Fiquei impressionado com a comoção quanto à escolha de Bob Dylan como representante da literatura para o comitê do Nobel. Impressionado por conta da recepção polarizada à premiação.

O que é literatura?

Em 1991, Neil Gaiman ganhou o World Fantasy Award de melhor conto com “Sonho de uma Noite de Verão”, edição nº 19 da série regular de Sandman. A história não era o que se considera Grafic Novel. Não!, era uma edição de uma série regular e mensal…

Shakespeare escrevia teatro e poemas. Hoje é o representante máximo da literatura em inglês. “Mas teatro é um roteiro, né?” É? Sam Shepard faz literatura?

Qual a intenção por trás das obras? Dylan compõe canções ou sua obra é poesia musicada? Podemos rotular de “literatura” apenas aquilo que é feito com “intenção literária”? (Uma intenção poética…) O leitor é quem deve descobrir isso? Qual o papel da autoria…

Que critério posso utilizar para separar uma composição que se considere literatura de algo feito apenas para entreter e ganhar dinheiro? As “imagens poéticas”, pelas quais Dylan foi saudado pelo comitê do Nobel? A pergunta inicial nem é essa, e sim “uma composição é literatura?”.

A intenção do autor está superada. Essa intenção é fictícia, não pode devorar a própria cauda. Escapa a quando os fólios de Shakespeare foram primeiro encenados (e lidos!), escapa a sejam lá quais fossem as críticas que ele intencionava à(na) Era Elizabetana, mas sinto que está presente na “imagem poética” do texto.

Li ontem a recepção do meio acadêmico, do meio crítico, do meio literário. Muitos doutores saudaram a escolha de Dylan, outros não. Muitos autores disseram que a literatura perdeu com essa premiação, outros ficaram felizes com a escolha. Penso ser legítima a crítica de que há compositores melhores do que Dylan, mas isso é fazer um desvio quanto ao objeto deste texto.

A quem a razão alimenta? Quem defeca o saber? Será que é assim?

Não enxergar um caráter literário em uma composição musical é diminuir a poesia - e há alguns escritores e acadêmicos que não consideram poesia como literatura -, é tirar a beleza do olhar humano, é fechar as possibilidades da expressão artística. A pergunta “o que é literatura?” deságua em “o que é arte?”, e ainda lerei a resposta de Tolstói a esta questão.

Dizer que isso ou aquilo não é literatura, sem um embasamento teórico, sem uma pesquisa profunda nas formas materiais, enfim sem uma vivência é, também, tachar a realidade por meio de um subjetivismo limitador. Creio que também seja uma forma de preconceito.

Márcia Tiburi e Rubens Casara escreveram, recentemente, que:

<<O preconceituoso é, na verdade, em um sentido um pouco mais profundo, alguém que tem muito medo, mas em vez de enfrentar seu medo com coragem, ele usa a covardia, justamente porque é impotente para enfrentar seu próprio medo. // O preconceituoso é, basicamente, um covarde.>> (fonte: http://revistacult.uol.com.br/home/2016/10/50931/).

Tenhamos coragem de questionar o que a literatura representa. No atual estado das coisas, ela não “é”, ela “está”, e as formas materiais de expressão, mais do que “meios de representação da arte”, nos levarão sempre a desafiar os limites do humano.