terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Contido

Sou alinhado ao processo de busca pela eterna compreensão das coisas 

(isso está ligado ao Dasein heideggeriano? - creio que sim).
Perco-me em gostos e acho-me em caminhos diversos.
Já fui contido e autocontido.
Já professei, confessei, devassei e, após um não sei, sigo um caminho não marcado, mas bastante iluminado. Possui várias entradas e saídas, alguns umbrais umbigoides, guardiões solipsistas, mas sem retenções. Se as sombras se alongam, é porque a luz é intensa.
Gasto horas, dias, meses, anos... pareço não chegar a lugar algum, mas para se chegar ao cume não é necessário atravessar ao outro lado. 
Aprendi ou me ensinei a me desapegar de doutrinas que me continham; que procuravam, ainda que de boa-fé, me arrebanhar. Não falo de proselitismos, mas sim de um movimento que resvala o inconsciente - ou que é mesmo dessa qualidade - de se preferir o conforto de um dogma à liberdade de uma "eterna" busca - ainda que o horizonte pareça inatingível, ou por causa disso... a verdade tem limites (horos - limite).
Não nos limitemos.
Não nos deixemos ser contidos.

domingo, 6 de janeiro de 2019

Encarcerados



Comecei a ler o romance de sci-fi do John Scalzi (autor do excelente Guerra do Velho) com a esperança de que não fosse apenas uma história que falasse da relação de robôs conscientes e humanos.

Os "Encarcerados" do título não são simples robôs, mas sim humanos acometidos por uma estranha gripe que provoca uma paralisia total do corpo, com a manutenção da consciência como em uma prisão. Por causa de mudanças na anatomia e fisiologia cerebrais provocadas pela doença, e com avanços científicos proporcionados pelos EUA e parceiros comerciais, androides foram criados para dar guarida à mente dos humanos encarcerados.
A doença também provocou a alteração no cérebro de pouco mais de dez mil humanos que se tornaram "integradores", ou seja, permitem que um encarcerado use o corpo desse humano, como se em uma possessão espírita, com a manutenção em segundo plano do integrador que ele possa dar suporte ao encarcerado e evitar que este faça algo estúpido ou seja ajudado quando não consiga ou tenha dificuldade para dominar o corpo ocupado. A premissa básica é essa.

A história é narrada em primeira pessoa, do ponto de vista de um encarcerado, ou haden -  em homenagem à Sra. Haden, a primeira dama dos Estados Unidos, e a encarcerada mais famosa - Chris Shane. Encarcerado quando criança, filho único de uma família rica, querendo independência e sem ter o que fazer após sua formação em Letras - o que é explicado no livro - ele opta por ingressar no FBI, onde foi recém-criado um departamento para resolução de crimes contra ou praticados por hadens.


A trama para mim foi muito óbvia, apesar das tentativas do autor de fazer reviravoltas e criar elipses quanto aos planos dos personagens para capturarem os antagonistas, algo típico de romances policiais de baixa qualidade - apesar disso, o livro é bem escrito, usa boas metáforas, tem diálogos interessantes e possui boa sequência detetivescas.


Um assassinato aparentemente cometido por um integrador em serviço - por isso o envolvimento do FBI - ocorre em Washington DC no período de entrada em vigor de uma lei que acaba ou reduz bastante os subsídios do governo para tudo relacionado aos haden. 


Uma greve nacional dos haden ocorre ao mesmo tempo em que uma passeata e reunião é realizada na capital dos EUA - algo que me remeteu aos Panteras Negras e a Marcha sobre Washington pelos Civil Rights (Direitos Humanos). 


Vários integradores aparecem mais como estofo do que para dar qualidade ao romance,  servem para fazer a história avançar - e me pergunto: se há apenas dez mil integradores no mundo todo, porque aparecem uns cinco em um período de uma semana e em espaço tão restrito? Foi bem conveniente.
Notei alguns clichês em relação a alguns personagens, e não falo dos empresários e políticos ricos que aparecem nem dos Navajos, mas dos policiais, agentes burocratas e outros. Além disso, o autor criou algumas frases de efeito e frases prontas que poderiam ser ditas por dois ou três personagens indistintamente. 


Uma das personagens mais bem construídas foi a da agente Vann, parceira Senior do protagonista. Ela é uma ex-integradora e sua relação com esse período é bem interessante. 

Tenho a impressão de que Scalzi escreveu o romance tendo como pressa um dos principais ingredientes. Os personagens quase sempre têm resposta pra tudo e de forma reativa.
Destaco os conflitos psicológicos de quatro personagens - Shane, Vann, Lucas Hubbard e Cassandra Bell. Não vou elaborar para não estragar.


A questão ética é bem presente no livro, e sempre mostrada, e não contada. Scalzi optou por narrar experiências nas quais os integradores são levados a limites; são postas questões humanas e materiais acerca da manutenção dos corpos dos hadens; o preconceito também é abordado, e também penso que houve clichês quanto a isso, mas a obra nos faz pensar sobre segregação, meritocracia, discurso de ódio.


A ficção científica hard é bem caracterizada no livro, com implicações e aplicações em linguagem de programação, neuroanatomia, economia e negócios.


A tradução feita por Patê Rissatti está primorosa, e a editora Aleph fez um bom trabalho de editoração e diagramação.

No final das contas, o livro é divertido, prende - porque você quer resolver os mistérios - mas a obra parece mais um jogo de tabuleiro para a geração "pera com leite", para a qual tudo deve ser bem mastigadinho e explicado.
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Ebook Kindle.
Editora Aleph.
328 páginas.