sábado, 6 de novembro de 2021

"(...) a mulher precisa ter dinheiro e um teto todo seu se pretende mesmo escrever ficção."



Como me restringir a apenas "impressões", como usualmente epigrafo meus textos neste blog?

Virginia Woolf traça não apenas o curso da, até então -- 1928, porém ainda persistente -- situação de submissão em que as mulheres são enquadradas nas sociedades patriarcais (estas como aquelas a cujo acesso ao poder econômico, familiar, religioso e social é dos homens -- não chega nem a ser retirado das mulheres, elas nunca o haviam tido).

Woolf apresentou, tendo como pano de fundo o acesso das mulheres inglesas à escrita (de romances, peças teatrais, poemas etc.), como a sociedade patriarcal é moldada para que as mulheres permaneçam nos serviços domésticos, de cozinha e sempre disponíveis às ordens dos homens; quando não deles, de outras mulheres mais velhas que perpetuam com seus comandos essa condição.

Ela então nos conta a saga das mulheres para receberem educação superior na Inglaterra, o fato de não haver bolsas para custeio e manutenção das faculdades, e em como é importante, material e simbolicamente, ter dinheiro e um teto todo seu para que as mulheres possam garantir a independência necessária a se dedicarem a uma atividade intelectual. Isso não quer dizer que a mulher não possa, caso queira, optar por atividades caseiras, à simples contemplação das coisas de seu ambiente. Ela exorta algo assim: "Deixar de ter filhos? Não, mas que tenhamos dois ou três, e não dez ou treze".

A partir disso, ela nos demonstra que a possibilidade de a mulher inglesa escrever parte da necessidade econômica, quando os homens viram que a mulher poderia ajudar nas despesas da casa -- tudo isso graças a Aphra Behn, poetisa e dramaturga do séc. XVII, a qual, após a morte prematura do esposo, teve de sustentar a sua família com suas produções literárias. Então que ela escrevesse textos para jornais, peças teatrais etc. Mas, até o século XIX, com todos os gêneros literários dominados e moldados por homens, restou às mulheres serem mestras no "romance" (novel no original, e ela brinca com a mesma origem etimológica da palavra, em inglês, à "novidade" -- novelty).

Daí surgiram "as quatro grandes romancistas" em língua inglesa dessa época: George Eliot, as irmãs Brontë e Jane Austen, e só depois da época delas, e já no início do século XX, as mulheres puderam ter uma participação intelectual maior em livros de biografia, científicos, de relatos de viagens etc.

Woolf, que havia herdado há poucos anos (em 1919, se não me engano, mesmo ano da liberação para as mulheres votarem na Inglaterra) uma pequena pensão de uma tia, desperta nas mulheres a consciência de que apenas com sua independência é que ela poderia se integrar ao masculino, e que apenas um homem com uma alma feminina poderia se integrar ao aspecto feminino do mundo. Há um quê de psicológico nisso, e, como ela própria indica, de forma bem diletante ela fala do  ideal de andrógino a partir de Samuel Taylor Coleridge, da união dos opostos na mente do homem e da mulher; em como, talvez, Shakespeare tenha conseguido isso, mas que isso não deveria, de modo algum, impedir as conquistas e lutas das mulheres, mas sim fazer com que os homens deixassem de usar como argumento a fragilidade do sexo feminino.

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Estou numa reading spree de Virginia Woolf. Ainda há outros aqui comigo para leitura, e o próximo será Orlando (talvez nesse romance ela tenha ilustrado o pensamento contido nos ensaios: a vida de Orlando desde o fim do século XVI ao início do século XX; de seu início como um homem colérico e conquistador; sua androginia, e a bissexualidade da própria VW, e a maturidade atingida quando se é mulher, casada e com filho). 

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Virginia Woolf

Um Teto Todo Seu, 141 p.

Tradução de Vera Ribeiro

Apresentação por Ana Maria Machado

Ed. Kindle