sábado, 7 de novembro de 2020

Impressões e emoções sobre Território Lovecraft, de Matt Ruff

Matt Ruff é um escritor que conseguiu me deixar angustiado, nervoso, aflito, com raiva. 

E não foi porque um shoggoth apareceu e ameaçou devorar os heróis e heroínas do livro. As cenas as quais me refiro dizem respeito às "normas do pôr do sol", ao "guia rodoviário do viajante negro", às leis segregacionistas Jim Crow nos EUA, que duraram para além da década de 1960 -- e não era apenas no sul que havia segregação, pois  os democratas nos estados é que foram responsáveis pela ferrenha aprovação e repristinação de leis discriminatórias, vejam só.

Em uma particular rememoração -- muito bem escrita -- do início do que hoje conhecemos como "massacre de Tulsa", vemos que tudo começou porque um homem negro apenas esbarrou em uma ascensorista branca e ela gritou que havia sido atacada. Ele foi levado ao tribunal, óbvio, mas muitos negros souberam do ocorrido e foram protestar, e logo brancos armados e em grupos cada vez maiores começaram a perseguição, massacre e expulsão dos homens, das mulheres e das crianças que viviam em Tulsa, mesmo que tivessem de queimar todas as casas para garantir que isso ocorresse. E as leis Jim Crow não vigoravam lá...

Bom, o livro é mais do que isso. Diz respeito à busca por ancestralidade, afirmação do humano, ocupar espaços, sobreviver. Quando Atticus, um dos personagens principais, retorna da Guerra da Coreia para Chicago, Illinois, encontra a casa de Montrose, seu pai, vazia, e parte com seu tio George e a vizinha Letitia para encontrar o velho. As únicas pistas: uma carta de seu pai, um Daimler prateado dirigido por um homem branco -- com quem seu pai foi visto, contudo interagindo de forma amistosa -- e a possibilidade de irem a Ardham, ao que no livro é conhecido como Território Lovecraft, um local estranho, em que uma comunidade construiu a pequena cidade de Bideford, politicamente separada do condado de Ardham, e onde negros não eram bem-vindos. Detalhe, essa comunidade é formada por pessoas que queimavam bruxas na Inglaterra.

O livro me pareceu ter a estrutura de diversos contos que revelam um suíte bem amarrada. Lembra-me mais um fix-up do que um romance, já que os capítulos, com exceção dos dois primeiros, possuem protagonistas e histórias diversas. Há sim um aspecto de horror cósmico -- e, SPOILER ALERT!, uma senzala cósmica, no estranho e excelente capítulo em que a personagem principal é Hippolyta -- esposa de George, e mãe do adolescente Horace, talentoso desenhista e que também tem uma história maravilhosa, e que lembra mais um conto de horror de Stephen King. 

Outro capítulo fascinante é Jakyll in Hyde Park, em que Ruby, irmã de Letitia, é a condutora da história, em uma sensual e estranha -- e também, pelos motivos errados, libertadora -- emulação da arquetípica dominação do eu pela sombra (ou mesmo pela inflação da persona, diga lá?).

Todos os capítulos costuram a história que começa lá com a viagem de Atticus, e se você espera que o mythos esteja bem presente aqui, saiba que o autor investe mais em camarilas & sociedades secretas, maçonaria e magia. Senti um incômodo na leitura. Creio que ingressei na história com o pensamento errado, como se as lendas lovecraftianas se inserissem na história em uma intertextualidade para além das metáforas, mas o incomum aqui é a magia. Ocorre que esse elemento extrafísico perpassa a obra com certa familiaridade, mesmo para aqueles personagens que não tiveram contato anterior com os estranhos acontecimentos, como é o caso dos amigos maçons de George. É como se as "maravilhas" ocorressem de forma a não maravilhar ninguém. Isso pode ter sido mais falha do Ruff ao narrar certas passagens do que sua original intenção. 

Encontrei alguns outros problemas também: em determinada cena, um personagem esperou uns instantes para que "sua frequência cardíaca diminuísse"; em cena do início do livro, o autor explica em off o que se passara entre dois personagens, quando poderia ter mostrado a cena, o que seria algo rápido.

Apesar disso, as demais descrições, ambientações e interações entre os personagens são bem escritas, cumprem com a proposta de gerar tensão e de contar uma boa história de entretenimento e de recuperação da História do sofrimento -- ainda presente -- da população negra nos EUA.


Ps.: Em tempo, vi o primeiro episódio da série Lovecraft Country, da HBO, quando se encontrava disponível no canal oficial da emissora no YouTube, e posso dizer que o episódio é melhor do que o início do livro -- desenvolve melhor os personagens e é mais assustador.





Território Lovecraft, de Matt Ruff.

Tradução de Thais Paiva.

Editora Intrínseca, 352 páginas.

Edição Kindle 



domingo, 4 de outubro de 2020

Sagrado e Profano - impressões sobre a Trilogia dos Brutos, de Ana Paula Maia

 Gosto das histórias de Ana Paula Maia. Talvez porque elas habitem o mesmo imaginário em que em mim habitam as histórias de samurais, cangaceiros e westerns. 

Um ambiente crepuscular entre a ordem e o caos, em que mais vale a honra do que a lei e em que, em alguns casos, a honra é a lei.

A ordem social, a figura do direito público e suas normas de conduta existem em todas esses cenários, mas quase sempre à margem. O exercício unilateral das próprias razões, mediado pela imposição da própria força é o que prevalece. Os dados rolam e a vida segue seu caminho. Mas grandes obras e grandes histórias apenas são possíveis com a lente privilegiada de uma autoria.  Ana Paula Maia escolheu a dedo seus protagonistas e foi pinçar fatos da vida em que aparentes tragédias são motivo ou consequência dos acontecimentos.


Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos

Já havia lido esse livro, creio que há uns dez anos.

A releitura foi uma oportunidade de entrar em contato novamente com a obra dessa super talentosa autora, e me descobrir um leitor mais maduro e exigente. O livro é um bom ponto de contato com a obra de Maia, pois ela escrevera outros dois textos anteriores — se não me engano (ainda não os li). 

Como tentei dizer, é obra de uma escritora em maturação, e em alguns momentos o narrador solta frases desnecessárias quando poderia mostrar o dito em ação ou mesmo omitir determinada sequência.

A poesia existe na vida desses homens limitados pela falta de oportunidades e que se movem com um senso de sobrevivência em meio à hegemonia dos outros. Quando há sonhos de algo além do que vivem, é uma visão trazida à beira da morte - "vá ver a neve" - ou ao se olhar para o céu, cujas nuvens poderiam até mesmo ser cortadas por um facão. 

Nesta passagem, Ana Paula Maia é de um lirismo assombroso:

"Às vezes, até as estrelas parecem fazer sombra. Mesmo mortas, insistem em ofuscar com seu insistente senso de infinito. E ao pensar nas estrelas, às vezes ele gostaria de ter uma escadaria para o céu. Para apagá-las com um sopro."

E, para esses homens, abandonados pelo mundo, a vida é mesmo um rápido estertor.

O que Gerson e Edgar Wilson, abatedores de porcos, não têm de "sociabilidade", ou a têm limitadamente, é compensado com quase um bromance de brutos, e uma contemplação de "fim de dia", mas que, em alguns momentos — e na soma desses momentos — mostra-se em demasia. Não chega a ser fastidioso, porque as imagens "captadas" por Ana é da alma dos seus personagens, e a coerência e o estilo são marcantes.


Na novela O Trabalho Sujo dos Outros, há uma aproximação ao que Bauman definiu como "a sociedade do descarte", pois vivemos para consumir, mas desde que haja uma obsolescência programada geral — das coisas, mas das pessoas também. Erasmo Wagner faz um dos trabalhos mais importantes para a sociedade urbana, e isso é bem marcante na história, ele tem consciência disso, apesar de sua melancolia; acredito que esse estado depressivo do personagem foi resultado do encontro do seu desejo por mais com a situação de miséria e apagamento na qual ele e seus colegas vivem.


Carvão Animal

Encontrei os opostos nesse texto de Ana Paula Maia, romance que encerra a trilogia dos brutos.

Na obra o fogo, e o carvão, produto de queima, é uma excelente metáfora para a vida e para a morte, e as histórias do romance são alegorias dessa jornada.

Os cenários do livro todos têm relação com o fogo: Corpo de Bombeiros, uma olaria, uma carvoaria, um crematório, uma mina de carvão que explode.

O único lugar que parece não queimar é a casa do bombeiro Ernesto Wesley, mas aí queima sim: o rancor pela morte da filha causado por um irmão que está preso; a raiva que a vizinha sente da cadela Jocasta; o calor de uma compostagem caseira etc.

No crematório "(o) carteado é religioso", um profano sagrado em meio a um mecânico e demorado ritual de cremação em uma funerária. Aqui há o verniz do respeito com os parentes dos mortos, que lançam parte das cinzas ao pé de roseiras bem cuidadas, enquanto que as sobras e cinzas não reclamadas são descartadas em um matagal que margeia a parte de trás da funerária, em meio à imundície acumulada e bichos oportunistas.

Palmiro, Ronivon (irmão de Ernesto Wesley), Geverson, Aparício, o coveiro, e JG trabalham em uma funerária especializada em cremação de corpos. São pessoas que, em bela síntese da autora, esperam pelos mortos para a vida prosseguir.

A gama de personagens de Ana Paula Maia, assim como "a maioria dos homens(,) é moldada a concreto. São duros feito rocha. Inquebrantáveis de espírito, torpes" (Carvão Animal, l. 1243)

Gosto do nome dos heróis de Ana Paula Maia - se bem que os chamar assim é um desrespeito à jornada deles: Edgar Wilson, Ernesto Wesley e Erasmo Wagner. Todos E W. Sim, tem um motivo, e conheço pelo menos o do primeiro: Edgar (Allan Poe) Wilson (do conto de Poe, William Wilson).


A autora não reduz a história a um determinismo naturalista, mas não nega a influência do meio - assim como eu também, como leitor, não a nego.


Peguei essa foto da Ilustríssima, em artigo de Joca Rainers Terron o qual li após a escrita dessas impressões; recomendo fortemente a leitura, pois nos fala da repercussão internacional da obra da autora e da vanguarda da sua literatura; ainda não li os publicados depois da trilogia aqui enfrentada, "mas vos digo, caso não saibais" - ela foi vencedora por duas vezes do Prêmio São Paulo de literatura, em 2018 e em 2019; antes de passar para a leitura dessas obras premiadas, quero ler "A Guerra dos Bastardos", de 2007 e "De Gado e Homens", de 2013 (há um ainda anterior - "O Habitante das Falhas Subterrâneas", de 2003, mas esgotado). Segue AQUI o link para o artigo do Joca Terron







quinta-feira, 17 de setembro de 2020

The Boys - Ficções, Política e o Outro


 

The Boys é uma série - baseada no quadrinho homônimo criado por Garth Ennis e Darick Robertson - na qual uma equipe de super-heróis é patrocinada por uma empresa chamada Vought. A empresa tenta fazer com que os heróis atendam a chamados globais de enfrentamento a ameaças terroristas, e muito do que ocorre nos bastidores é a manipulação do governo americano para que isso seja sancionado. 

Questões corporativas ficam à margem quando as questões pessoais dos heróis surgem, e daí vemos porque não é possível existir, de verdade, uma Liga da Justiça nem os Vingadores como os vimos retratados - isso sim é uma utopia. A série possui muita violência gráfica, mas esta acaba sendo quase um refrigério em comparação às questões morais e políticas colocadas. Não há preto nem branco, e sim uma longa faixa cinza interrompida de vez em quando por um vermelho bem forte - não o vermelho de "ameaça comunista", mas de sangue, sangue dos que sofrem com a manipulação governamental e corporativa da qual, transportada da tela para nossa vida, somos vítimas. 

Nesse aspecto, uma das cenas mais interessantes na série The Boys é o confronto entre Stormfront e Homelander no quarto episódio da segunda temporada. Homelander, um Peter Pan anabolizado com problemas narcisísticos em nível homicida, acusa a "heroína" de roubar a popularidade que ele, líder d'Os Sete, possui. Ela diz que ele está muito enganado, que não se preocupa com cinquenta milhões de votos por ele recebidos na enquete sobre a qual discutem, e que ele tem de se antenar aos novos tempos e se comunicar de maneira mais rápida e eficiente com os seguidores, porque ela precisa de apenas uns cinco milhões, e não dez vezes isso, desde que esses sejam crentes e raivosos porque assim ela teria uma massa de manobra que poderia agir de forma muito rápida, e de modo eficiente, a espalhar o que ela tem a dizer, e não teria uma vontade diluída em algumas dezenas de milhões que não fazem nada.

A arte imita a vida, não? O quanto esse episódio foi escrito pensando nos apoiadores de Trump lá nos EUA - e, por extensão óbvia à minha pretensão, aos apoiadores de Bolsonaro aqui no Brasil? Há uma escalada de coisificação elevada à idolatria que vem ocorrendo aqui no BR. A massa de manobra do presidente, ainda que haja pessoas inteligentes nela (pior por isso, vide o nazismo), é movida por vontade e interesses puramente egoístas - perpetuar seus ganhos materiais e ter a expectativa dessa continuidade, melhor ainda quando feito com a coisa pública para obtenção de interesses privados. Bolsonaro eleva a cloroquina a objeto sagrado, sem comprovação científica, um graal profano de uma Narrativa quixotesca, enquanto várias pesquisas sérias desenvolvem vacinas que são tidas pela base de apoio do presidente como coisa do demônio, que pode prejudicar as pessoas. A posse do Ministro da Saúde demonstrou bem isso. O presidente e seu governo exclui o social, o meio ambiente, o outro que necessita de apoio de políticas governamentais (e que deveriam ser de Estado), a comunidade negra, a comunidade LGBTQA+. Os outros são homo sacer - pessoas sagradas, simples Biós, passíveis de serem excluídas e exterminadas; são impedidas de realizar aquilo que nós temos em comum como seres humanos - a capacidade de sofrer e reconhecer o sofrimento no outro, ou seja, de desenvolver a Zoé.

A ficão científica e suas alegorias não são apenas prospectivas. Não são mesmo, especialmente as que têm em seu cerne questões políticas e sociais. Mas também não são redutivas, não se restringindo a simplesmente apontar o dedo - apesar de pôr bem o dedo na ferida.

sábado, 4 de julho de 2020

Impressões sobre Carapaça Escura

Impressões sobre Carapaça Escura,

de Frederico Toscano.

Patuá Editora, 96 páginas.


Eu acabara de ler Otelo, então estava rodeado por água - Veneza e Chipre - e no qual o principal assassinato é por sufocamento.

Em seguida, assisti, por três dias, à minissérie O Terror (The Terror), a qual adaptou o livro de Dan Simmons à telinha, e que reconta, de forma magistral, e com um toque de terror, a Expedição Franklin - em que o Comandante Sir John Franklin tentava descobrir e singrar a "Passagem Noroeste" entre o Atlântico e o Pacífico, este no Estreito de Bering.

Água, afogamento (a maioria dos marinheiros contratados antigamente não sabiam nadar, vai saber…), envenenamento, urso gigante, doenças e um escafandro…

Eu pensei em ler um livro de contos policiais no leitor digital, mas então me lembrei - acabei de me lembrar - de que havia separado este livro:


Muito mais do que atraído pela capa, a qual me provoca admiração estética e um certo calafrio (palavra usada pelo autor em sua dedicatória a mim), eu estava imerso em uma sensação de ser assimilado pelo que minha cidade - Recife - tem a oferecer em termos estéticos quando se trata de água, pavor e os demônios que habitam os pátios eclesiásticos.

Mergulhei, então, na leitura do livro.

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Nos dois primeiros contos me fascinou a linguagem usada pelo autor, com um vocabulário regional, delicioso… eu até parecia ver a pessoa falar ao meu lado.

Vi um pouco da vida que também é e foi minha: morando, quando criança, no limite oeste do bairro de Boa Viagem, minha rua era de barro, continuação da rua de uma favela, então havia um muro invisível que de vez em quando nós transpúnhamos… Ralar o joelho, pular muro dos vizinhos, voltar melado de barro para a barra da saia da mãe, isso teve… Teve também o mistério de uma casa que parecia ter um lago dentro de si, com uma jangada… bem, essa história vou contar depois.

Já na Avenida Boa Viagem, limite leste do bairro junto ao mar, vimos o outro lado, um decadente militar de classe média alta, com seus crimes e violência patriarcal escondidos pela caserna, faz uma descoberta junto ao quebra-mar que vai mudar sua vida, sendo, ao mesmo tempo, uma visita do passado.

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Essas histórias retiveram em mim uma sensação pueril de estranhamento quanto ao mundo, muito maior do que eu apreendera até aquele momento.

E, ainda, em termos de nota pessoal, e porque penso que fiquei contaminado com o "urso" que apareceu na série O Terror, senti que algumas das cenas muito bem mostradas, poderiam ficar mais na insinuação do que explicitadas - mas, repito, isso é um gosto estético que, penso, vai de encontro à proposta do livro, assumidamente de literatura fantástica. Prossigamos…

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Algo no livro que me encantou foi a escrita. Frederico teve um cuidado artesanal com a linguagem.

Frases como "Ascendeu devagar em direção à luminosidade tremulante e, resignado, deixou-se abandonar aos caprichos daquela vontade superior, qual mamulengo ao final do espetáculo", sobre a retirada de um escafandrista da água, no conto Carapaça Escura.

Uma assombração em uma pista de barro, sob a luz de uma lamparina e companhia do mato ao redor é "uma alvura suspensa na curva da estrada", e não adianta se afastar, pois a assombração continua lá, como "uma impressão pesando-lhe sobre a nuca", em A Estrada Dela.

Uma simples imagem que nos remete à vida e ao nascimento é transformada em um horror lovecraftiano, descrito, em O Abismo no Céu, "como uma placenta repleta de olhos e membros retorcidos".

Isso só demonstra uma patente transpiração, sem artificialismos.

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Se você gosta de literatura, leia; se gosta de literatura fantástica, leia.


sexta-feira, 5 de junho de 2020

Impressões sobre O Legado de Eszter, de Sándor Márai

- Qual é seu limite, Lajos?
- Que pergunta é essa, qual o limite?
- Qual é o limite? - repeti. - Imagino que todo homem tenha algum limite em que há uma medida para o bem e para o mal. De certo modo, para tudo o que é possível entre os homens. Mas você não tem limites.

Eszter, uma mulher. Seu legado, mais do que um patrimônio dilapidado pelo homem que um dia amou, e de forma recíproca também foi amada.
Mas esse homem só vivia por e para sua própria vontade, alheio aos demais, como um dionisíaco nietzscheano cujos atos se tornavam meras desculpas na mente dos outros.

Depois de vinte anos essa sombra do passado retorna. Seus impulsos são uma história de poesia, como diz Eva, sua filha e também vítima, e não de memória.
Lajos, para a filha, é como um caçador que precisa desbravar a selva e, após encontro fatídico para a presa, continuar, pois o que importa é a caçada, e não o troféu.

Eszter, narradora da história, e psicologicamente muito bem construída, nos leva a seguir as mentiras em que ela própria acreditava. Ela é acossada por figuras do passado, vivas e mortas; por uma juventude - representada pelos sobrinhos - cujos termos do contrato social lhe escapam e pelo pacto com a morte que parece ter realizado com Nunu, a antiga governanta da casa e que desempenha, na trama, o lúgubre papel sapiencial dos que estão além do véu das coisas palpáveis.
Nunu é apresentada como alguém que ficou na casa de Eszter porque ocupou o papel social da matrona. Veste-se de negro da manhã à noite, e é a única que, desde o início da obra e em meio às vítimas de Lajos, parece saber o que traz este de volta à casa.

No fim, Lajos, além e acima de todos os limites, reconhece que até direitos possuem limites, mas, no seu caso, os da prescrição, ou seja, em seu benefício. Em sua intimidade com os demais ele não reconhece limites, ou os flexiona até o ponto de ruptura...

Para Eszter, ainda que em um momento patético quanto ao que Lajos sentia por ela, ele era tão bom no que fazia que conseguia "mentir inclusive com fatos", e nisso Márai foi grandioso, não sacrificou a frágil integridade de Eszter a um enlace de redenção passional. Como Lajos diz-lhe: "Uma mulher, uma mulher. (...) Trata-se de você, Eszter. Trata-se de você".

O livro tem um tom que lembra os das peças de teatro, com diálogos rápidos e reflexões monologais. A moralidade que perpassa a obra demonstra a separação, nas relações humanas, entre o legal e o legítimo, e em que a fé é a dos espaços sociais, a crença de que se pode contar em ser algoz, pois a mesa da vítima já está posta. 

Vale muito a leitura. 

O Legado de Eszter, de Sándor Márai. Escrito em 1938.
Cia das Letras
Trad.: Paulo Schiller


Cartão Postal - Hungria, década de 1930

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Impressões sobre ASSOCIAÇÃO ROBERT WALSER PARA SÓSIAS ANÔNIMOS

ASSOCIAÇÃO ROBERT WALSER PARA SÓSIAS ANÔNIMOS

CEPE
226 p.
2015
Lido no Kindle

O primeiro romance do autor Tadeu Sarmento é contado em duas frentes, digamos assim. Uma na cidade paraguaia de Nueva Königsberg, e a outra dentro de um clube - a associação - para sósias.

A associação lembra mais - tanto pelo tom do texto como pelas práticas adotadas pelo sósia Hussein - um espaço para desintoxicação, algo como um "narcóticos anônimos". O sósia  do filho do ditador, cujas práticas mais remetem às de um professor em um acampamento, tenta levar os demais membros a práticas capazes de fazerem com que eles retornem a suas identidades originais - ou assim parece ser.
Achei isso genial - um sósia que se apaga de si mesmo.
Nesse momento da narrativa - em relação ao tempo cronológico, mesmo - a história é contada em primeira pessoa por um sósia que apenas se deixou tornar (como o escritor apagado, que lembra a Chiquinha do Chaves, com seu bigodinho abrilhantado por manteiga) o próprio Robert Walser - prolífico, mas esquecido pela posteridade - porque se apaixonou por uma garota que viu em um sebo, e se deixou levar pela ideia de desaparecer e tomar o lugar do escritor cujos livros ela buscava com tanta intensidade...



Em outro momento e espaço geográfico, mas sob um calor danado, vemos a chegada do filósofo Jean-Baptiste Botul à também fictícia Nueva Königsberg, no Paraguai, a qual abriga sósias de Kant - e estes fazem sua notória promenade sempre às 14h, faça chuva ou faça sol. Esse trecho do livro se passa na década de 60 do século XX, momento de intensa caçada a nazistas no cone sul, e Botul vai à cidade não apenas como um filósofo que faria conferências, mas também como um aparente caçador de nazistas.
Esse cenário da obra foi o que mais gostei. Aqui a história é contada em terceira pessoa, e captei aqui um misto de gêneros: das narrativas de fantasia quando o grupo de heróis entra em uma taverna, das histórias de caçadores de recompensa - modernas ou de faroeste - e do simples discutir filosófico sobre a vida. 
Um exemplo e uma síntese do que acima menciono é quando Sobol, em Nueva Königsberg, ao experimentar uma cerveja recém produzida, ao mesmo tempo sente raiva ao elucubrar sobre atos homicidas - ou seriam heroicos? De repente ele percebe que a cerveja não estava boa o suficiente para enviar para "A Coruja de Minerva" - a tal da taverna (mais uma estalagem). Ela havia azedado, concluiu o mestre-cervejeiro. Foi um boa mostra de como nossa percepção de mundo é temperada pelas nossas emoções.

A associação, por seu turno, possui muitos diálogos nos quais os personagens soltam frases de efeito praticamente toda vez em que aparecem - em especial Mark (sim, o Chapman). Há passagens geniais, ainda assim: a relação entre Mark e Lennon, que fingem não se incomodar, mas nunca estão no mesmo cômodo ao mesmo tempo; o aparecimento de sósias de badalados famosos que logo vão embora porque o local não era o ambiente festivo e de flerte que imaginaram; as elucubrações do narrador sobre a garota e sobre o que o levou a estar ali, e se seria possível retornar a(o) que(m) era.

Outra coisa que me incomodou foi que a narração em primeira pessoa tem uma sintaxe e performance muito aproximada da fala dos personagens que estão na associação, e até mesmo o tom dos diálogos é bem parecido, pois as frases de efeitos não são ditas apenas pelo sósia Mark. Antes fosse estilo indireto livre, mas isso permeia diversas falas, como mencionei. Creio que essa caricatura tenha sido proposital até determinado ponto, contudo a linha do exagero foi ultrapassada.

Quanto à narrativa, um dos capítulos de que mais gostei foi "o coração machucado como um pêssego, no qual o autor nos mostra como se perder na própria vida, sem chance de ser redescoberto e sem esperanças de que alguém peça resgate. Nesse capítulo o autor faz um paralelo entre a vida do sósia de Udai Hussein e determinadas escolhas que (se) faz(emos) na vida. Aqui fica claro para mim como podemos agir de forma neurótica para agradarmos alguém aquela parcela de nossa alma que quer agradar alguém. Solidão, carência, ambição, falso-amor... Quando não somos nós mesmos, e observando as escolhas em retrospectiva, o que de memória ainda queremos preservar?

Algo de que também gostei, e com a qual me identifiquei, por ser fã deste autor, é que a história tem um pouco dos absurdos e dos questionamentos existenciais trazidos nos livros do Enrique Vila-Matas (por falar nele, estou me devendo ler a coleção de contos Vampire in Love - reunião de contos em uma edição inglesa -, o romance Mac e seu Contratempo - pela Cia das Letras em 2018 - e Não há lugar para lógica em Kassel - pela ausente Kosac&Naify em 2015).

Vou poupá-los dos spoilers pesados, mas vou dizer que: Saddam não é quem parece ser, as linhas narrativas têm uma convergência, Lennon e Chapman têm novamente um encontro mortal.

Esse é o primeiro romance publicado de Tadeu Sarmento. Vale a leitura.

terça-feira, 21 de abril de 2020

Impressões sobre o livro de contos Na Outra Margem, O Leviatã




Às vezes fico tentado a adquirir "Os melhores contos..." de um determinado autor - de que gosto; desconhecido, mas por cuja obra tenho curiosidade etc.

Percebi, contudo, que os melhores contos nem sempre devem vir todos juntos em uma mesma obra - embalados a vácuo e no frigorífico de algum supermercado. Uma melhor experiência a respeito da composição autoral e do diálogo de determinado conto "sensacional" deveria ser desfrutada na leitura da obra em que o conto teve sua gênese. 

Enxergo isso nos contos de Sidney Rocha; em Guimarães Rosa e em alguns livros de contos do Stephen King - porque neste autor a reunião de alguns é gratuita, simplesmente contos muito grandes para serem lançados em revistas como "contos" e pequenos demais para os padrões editoriais para sair como livro, e eles não tem coragem de chamá-los de "novela". 

A reunião de contos sobre a qual quero despejar minhas impressões tem essa qualidade de fazer parte de um universo - música de galáxia ao fundo - e me levou a um caminhar cheio de incertezas e de questionamentos enquanto eu vestia os calçados de seus personagens.

Falo de Na Outra Margem, o Leviatã (Ed. Lote 42, 112 páginas, 2018 - belíssima diagramação), do autor e acadêmico Cristhiano Aguiar.

Parece-me óbvio que alguns fatos no livro surgiram de experiências pelas quais o autor passou após sua chegada em São Paulo - Cristhiano é de Campina Grande, na Paraíba e morou por algum tempo em Recife-PE antes de cursar seu Doutorado em São Paulo -, e muito também de histórias orais e tradicionais do ambiente rural.

No ambiente urbano, destaco o Edifício Hannah quase como um personagem dentro de outro personagem, a própria cidade de São Paulo. No condomínio se passam algumas das histórias, e nelas me senti transportado para uma outra dimensão, na qual os pensamentos ganhavam vida de maneira objetiva e isso não era novidade para ninguém - repito, foi minha impressão subjetiva, como se algo de realismo fantástico pairasse dentro de mim mesmo enquanto lia a obra...

O primeiro conto são pequenas estórias - Miniatura.
  Em Um Piano no Domingo, a execução da música conduz o narrador a explorar um pouco seu olhar sobre os vizinhos e  aspectos antes não percebidos desse dia da semana tão fora do tempo. Somos submetidos a uma estranha contemporaneidade, pois o recorte parece uma descrição de alguém isolado em meio a recente pandemia do Covid-19 - para mim, no conto há também um índice de modernidade retirada da frase de Karl Marx utilizada por Marshall Berman no título do seu livro Tudo que é Sólido Desmancha no Ar: aqui não há a alegria dos músicos profissionais e/ou amadores em dividir suas imperfeitas execuções instrumentais com varandas e janelas solitárias e na expectativa de compartilhar algo em comum em meio ao isolamento - no mínimo calor humano, reconhecimento do sofrimento que nos é comum. Não, no conto vemos uma fotografia ou quadro que é a síntese de uma classe média urbana (a "negra de vestido branco limpava a janela", o idoso em cadeira de rodas que contemplava - o vazio? - pela janela) que irá colapsar ao primeiro sinal de crise.
  Em Tua Presença gostei do uso das metáforas. Elas contextualizam, em certos momentos, a cenografia, e dão impulso à narrativa, sem ser necessário uso de ação, como no "baú de coisas ausentes".
  Naturae me brindou com o realismo fantástico de que falei. As alegorias funcionam como gestos no ar que parecem passe de mágica; a rachadura no reflexo do espelho é uma distorção que a pessoa enxerga em si própria, não inata, mas fruto de sua vida vivida, sejam quais forem os percalços - "a rachadura sempre existiu ali".
  Em Trappist-1 o faxineiro me mostrou o tempo e a insignificância da duração de uma única vida.

Já no conto Recortes de Hannah, Lina e Lucas se conhecem em um elevador que acabara de quebrar. Enquanto conversam sobre como chegaram ali e o que fazem, lemos recortes de outras situações vividas por eles. Senti a existência da persona, da imagem a ser mostrada para os outros, um flerte com o inconsciente e com a psicanálise - "Ali, seu pai sempre vencia", no conflito de Lina com a forte presença da memória do pai, mesmo este em cadeira de rodas.
O insólito não estava na Graphic Novel escrita por Lucas, mas sim em uma cena em que dois monges barbeiam um mendigo - Caetano, figura que reaparece no ótimo conto Desaparecido - sobre como uma metrópole pode engolir, digerir parcialmente e regurgitar alguém em seu processo de loucura.
Na verdade Lina é quem entra em "pane" no seu encontro com o pai, e Lucas é quem vive uma situação insólita dentro do elevador.

Senti, no conto O Laboratório do Senhor Mosch Terpin, uma mudança na voz narrativa em cumplicidade com Faustine, personagem do miniconto Naturae. Foi o conto de que menos gostei, mas tem excelentes elipses - especialmente quanto ao tio Henrique do Natanael - e, como em outros recortes, referências à cultura pop.

Os Recém-Nascidos traz outro conflito de Faustine com seu passado, dessa vez por descobrir que seu avô era um fazendeiro/coronel que ajudava a ditadura e participou ativamente de sessões de tortura. Sua história é entremeada com a do professor Estêvão e da relação deste com sua mãe, cuja memória desperta ao escrever na lousa a frase de um poema, "Na voz quieta / O nascimento de criaturas marinhas". A recordação deles na praia em meio ao nascimento das tartarugas é de um lirismo bem legal, porém com um fundo pessimista que dá o tom da relação vivida por Estêvão com seus familiares. Há, no fim, uma conexão entre Estêvão e Faustine, mas me pareceu um pouco fora de propósito isso ter ocorrido no conto. As duas histórias poderiam ser contos separados sobre cada um dos personagens.

Terasa eu li e reli. Foi o conto de que mais gostei. Possui um lirismo não usado em outros contos do livro. Creio que seja um dos contos mais maduros, junto com Desaparecido e Laviatã - justamente os três últimos. Há um dialogismo bem presente com obras clássicas, como o Velho Testamento (a mulher samaritana) e a Odisseia. (Tem um anagrama lá, coisa pra nerd feito eu descobrir: Esparta, p. 75).
Teresa vive sua vida com seu marido que retornou de São Paulo e parece ter arrumado alguns problemas ao amealhar seu quinhão de glória monetária para abrir um pequeno negócio na cidade natal. Enquanto isso, ela revive momentos de espera, leituras ao pé do sono, pássaros que abundam em silêncio. E somos apresentados aos poucos a uma tragédia que ocorre no lugar em que ela mora. Parece-me que já estava escrito pelos deuses.
Por coincidência eu escutava Echoes do Pink Floyd ao ler o conto, e repeti a faixa assim que repeti a leitura. 

E por coincidência também eu escutei Seamus e Shine on you Crazy Diamond (tem um cão no conto e um uivando na música Seamus, e Shine... bem, já diz tudo) ao ler Desaparecido, um recorte da história de Caetano, já mencionada acima.

Leviatã, outro excelente conto, tem duas estórias - Faustine na Planície e Natanael e o Rio.
Faustine na Planície, não só pelo título, mas também pelo tom, me lembrou do filme Pauline na Praia e das histórias congêneres do Eric Rohmer. Em uma ONG no interior (da Paraíba?) ela percebe que a ação humana, o verter humano sobre outro é barrado por questões burocráticas não apenas fora, mas principalmente dentro da atividade da organização. Em certo momento ela tem um contato com a natureza para além da apreensão subjetiva das coisas, mas ela se torna o seu redor. Uma cena de apenas dois parágrafos, escrita belamente.
Natanael e o Rio para mim foi o trecho mais bem escrito do livro. Uma aula de literatura, de como conquistar o leitor. Natanael tenta viver uma experiência, ao escrever um livro, com um mergulhador profissional no rio Tietê. Ele conta como foi a Lucas, o narrador, e a Faustine. Em determinado momento, já no rio, Natanael encontra algo que o transporta, mesmo que por poucos segundos, a um onde que parece mais o Reino Quântico do filme Homem Formiga, um portal para o por dentro do dentro das coisas. O mergulho em si tem um quê de história de pescador com espírito de pirata, e o desfecho é voltar para a barriga do monstro, a cidade.

Digo algo: leiam o livro. Cristhiano precisa nos brindar com mais de suas estórias, e as últimas desse livro têm uma grande chance de nos mostrar o que esperar de futuros trabalhos.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Bloodchild, novela de Octavia Butler

Como seria um homem grávido? Como seria sermos mantidos em um "cativeiro seguro" por outra espécie? Como é crescer em meio a isso em outro planeta? A autora não nos dá uma resposta definitiva, mas nos dá sua melhor resposta por meio da narrativa de Gan, o protagonista do conto.

Os seres humanos que conseguiram escapar da Terra se abrigaram em um planeta no qual já havia outra espécie inteligente, e há uma necessidade de compartilhamento até mesmo parasitário para a sobrevivência dessa espécie, os Tlic.

O texto narra um momento na vida da família de Gan, seu convívio com irmão e irmãs e a mãe, sua escolha como favorito pela líder dos Tlic, a busca pelo cumprimento de uma promessa feita no passado e a implicação de Gan nisso tudo. 

É uma história sobre crescimento, maturidade, escolhas, responsabilidade perante a vida, perante a morte. 

Octavia Butler é magistral na narrativa. Ela nos faz presente na pele de Gan, sentimos o que ele sente, respiramos suas angústias, seu desejo, dói na pele aquele tapa dado pelo irmão mais velho. 

Eu recomendo muito a leitura, especialmente porque, para além do apuro estético, Butler nos fala sobre convivência em meio à diferença, sobre a dor do outro e da miséria que somos capazes de impor a nós mesmos.

Ganhador, na categoria novella dos prêmios Hugo, Nebulla e Locus de ficção científica.

Lido no idioma original, no Kindle.
Editora Headline




quinta-feira, 19 de março de 2020

A verdade sobre os CLICHÊS do caso Harry Quebert



"Todo mundo tem seus demônios. A questão é simplesmente saber até que ponto esses demônios são toleráveis."

Essa frase é do personagem narrador do livro, Marcus (Mark) Goldman, e resume bem o espírito da obra como um todo - seja em relação à escrita: uma ética do escritor, a relação comercial editor-escritor-agente; ao sistema judiciário; à investigação policial e, já me adiantando aqui, à percepção em relação aos nossos ídolos.


É também um livro sobre o amor, na verdade sobre relacionamentos, sobre quando uma relação entre um homem mais velho e uma mulher mais nova pode ser considerada pedofilia. Ecos de Lolita, sim, o romance tem isso - Harry Quebert -->  Humbert Humbert (?). 


A Verdade sobre o caso Harry Quebert, do suíço Joël Dicker, tem muito é do relativismo que se tenta esconder nas grandes respostas a questionamentos universais.


A metalinguagem é usada no livro do início ao fim - os capítulos são compostos de dicas do mestre ao "aluno sobre como escrever um livro" - com uma analogia a esportes (boxe) e relacionamentos.


A estória e sua narração mostra acontecimentos que poderiam estar em Mindhunter, da Netflix, mas, da maneira como foram contados, não verossímeis, e essa é uma das belezas da literatura, especialmente nesse caso, em que o livro é narrado em primeira pessoa: vemos muito do que o Goldman sempre quis ser, uma "força da natureza", só que um anti-Odisseu, ou seja, os obstáculos são sempre inferiores para que ele nunca fracasse (eu particularmente me ponho muito nessa condição). Na primeira parte do livro, Marcus teve ajuda para superar essa sua trava mental, mas ao mesmo tempo sinto que sua investigação é apenas uma formalidade para a obtenção do resultado por ele já vislumbrado.


O que torna o livro intrigante e dinâmico é a heterogeneidade de gêneros, contudo isso também o faz ser desapontador: em alguns momentos, uma história de amor romântica com excesso de pieguismo; em outros, reflexões sobre o amor à vida, relacionamentos e o que nos torna humanos; em alguns momentos, um sensacional humor judeu, especialmente quando Marcus conversa com sua mãe; em outros, uma tentativa de humor a partir de uma mãe casamenteira que dirige seu negócio e seu lar com padrão militar, e cujo comportamento beira a psicose.


O erro não é apenas de tom. Sinto que as partes em que os personagens sejam caricatos e clichês - como o envolvimento na trama do motorista, saído de um filme de 007, do ricaço da região - atrapalham mesmo o desenvolvimento da trama. Talvez o simples fosse melhor executado.


Senti isso no final do livro, com suas reviravoltas e ajustes finais. E sabe quem executou maravilhosamente bem uma obra metalinguística sobre as agruras da escrita, a vontade ("e necessidade") de ser bem sucedido no meio, e cuja trama é uma replicação das dicas dadas por um escritor? O roteirista Charlie Kaufman na obra Adaptação, um dos melhores e dos poucos filmes em que Nicolas Cage e o Chris Cooper dão um show de interpretação (direção de Spike Jonze, se não me engano).


Por outro lado, os personagens são bem complexos no cerne dos clichês por eles vestidos. Vemos que o motorista possui um passado trágico, é sensível, amante das artes, ele próprio um artista de mão cheia. É assombrado pela perda da oportunidade de estar com sua amada Eleanore (Lenora de Poe?), em quem enxerga as jovens louras da cidade. Ele tem um passado trágico, e um futuro idem.


Aqui os clichês são importantes para o recado do escritor. Ele brinca com esses estereótipos, mas o faz com profundidade. O rico misterioso; a mãe judia; o editor ganancioso; o narrador atleta e escritor, mas que é um poseur. A mãe de Marcus, por exemplo: parece saída de alguma obra do Philip Roth ou de dramédias modernas de Ben Stiller à Maravilhosa Sra. Maisel.  Ela, porém, é quem tem valorosos insights, e por telefone; sugeriu a Marcus escrever sobre Harry Quebert e disse que o assassino da garota é quem provavelmente estava ameaçando Marc (contudo outro clichê, né?).


Não li críticas sobre o livro, apenas o marketing publicitário associado às frases curtas retiradas da mídia (tem um nome técnico pra esses laudatórios? É laudatório? rsrsrs Se sim, quero saber...), e senti que há muito incenso.


Esse incenso é uma parte importante do que o autor questiona acerca do mercado publicitário. Não busquei informação de como o livro foi lançado. O autor é suíço e ganhou muitos prêmios na França, mas ele faz um exagerado, mas providencial raio-x no mercado editorial americano (ah!, a capa do livro que eu li, pela Intrinseca, e não as clássicas da Alfaguara, é uma reprodução do quadro Retrato de Nova Orleans, 1950, de Edward Hopper, e parece trazer um alerta da podridão americana do pós-guerra: com perseguição a comunistas - o caso Rosemberg é citado algumas vezes - segregação etc., ou seja, o que jaz sob a superfície da vida pacata de uma cidade interiorana dos EUA). Ele cita o uso de ghost writers para ajudar os grandes escritores; a necessidade de se lançar uma obra que seja uma vitrine e que gere dinheiro, em detrimento da qualidade; a janela de lançamento por conta da eleição presidencial de 2008 - até mesmo com estudo mercadológico de por quanto tempo o livro estaria nas notícias, e assim na boca do povo, até novembro de 2008.


Além de criar personagens complexos sob o verniz do clichê (usei um metaclichê, agora!), o autor consegue entregar a trama proposta, mesmo com todas as reviravoltas. Não há furos, na verdade os furos fazem parte da trama, do "narrador mentiroso" ou que não presta atenção. Gostei muito disso, de como o narrador presume as coisas - e induz o leitor a cair nessa armadilha (It's a cliché trap!) - e no final vemos o castelo de cartas desmoronar (vai, tenho que ser clichezento também, né!)  achei muito bom o fato de a trama policial ser quase um jornalismo investigativo gonzo, meio Truman Capote.


Eu recomendo a leitura.


3.5/5


A VERDADE SOBRE O CASO HARRY QUEBERT


Autor JOËL DICKER
Ed. Intrínseca (o livro é de 2012, lançado aqui em 2014)
Lido no Kindle

P.S.: quando fui procurar a imagem da capa, hoje, descobri que há uma minissérie☺️ em dez capítulos, de 2018, com o Patrick Dempsey interpretando o Harry.

domingo, 16 de fevereiro de 2020

A ficção científica diante do consenso (Trilogia Fundação)

Fundação.

Segue aqui minha leitura. Não foi apologética.
Na verdade algumas passagens e parteda trama me incomodou muito.

Acabara de ler o conceito de psico-história em Fundação - algo que envolve estatística, Psicologia das Multidões, etnografia e vodu - e me lembrei do livro que li antes. Esse sim um livro de psico-história - sem o vodu e mais pra psicanálise, mas dele falo depois.

Em Fundação, várias épocas e quadrantes da galáxia desenvolvem a história da tentativa de um homem - Hari Seldon, um senhorzinho boa praça e muito inteligente - em salvar o futuro do império galáctico. Ele planeja algo que vai além do longo prazo, questão de centenas de anos, a fim de impedir a ocorrência de um hiato histórico de trinta mil anos sem ciência nem tecnologia. Esse vácuo cairia para meros (!) mil anos. Isso seria possível devido à elaboração de uma vasta Enciclopédia.

Para tanto, ele consegue que o Conselho Galáctico envie Seldon e outros matemáticos para Terminus, um planeta nos confins da galáxia, a fim de elaborarem a mencionada Enciclopédia. Foi então proclamada a Fundação da colônia. Além de Terminus, há um outro planeta em que uma outra Fundação ocorreu - do outro lado da galáxia - mas dele creio se saberá mais mesmo é no livro "Segunda Fundação".
Cinquenta anos após a Fundação, um holograma de Hari Seldon aparece e revela que a Enciclopédia é um logro. 
Com o desenvolvimento da narrativa, percebi que eles já estão dentro do tal período de mil anos e que os atos de Seldon não são teleológicos, mas têm consequências diretas e imediatas, ou seja, ele, com sua psico-história, criou o ambiente em que alguns personagens poderão realizar um "mapeamento de crises, e a conclusão bem sucedida das anteriores" levará a uma nova crise, o que permite a preservação de conhecimento, tecnologia e relações sociais entre as civilizações que aparecem no livro.
Essa é a premissa básica da trama.

O início do livro é meio chato, confesso. Asimov repete dados de tempo e espaço como se quisesse lembrar o leitor dessas figuras, no fim irrelevantes, apenas para nos situar em um tempo e espaço que não são os nossos. Faltou sutileza.
Algo magistral que ele criou foi a possibilidade de discussão de questões sociais, políticas e até mesmo religiosas (as quais, no livro, não deixam de ser políticas) em um ambiente em que os fins justificam os meios. Ainda assim os personagens principais, em determinados momentos, sempre procuram agir sem violência, sem derramamento de sangue, porém suas ações são bem manipulativas.
Essa manipulação é bem palpável e até mesmo ostensiva no texto quando um dos personagens cita que a psicologia - disciplina esotérica, mas não mística, já que não havia mais psicólogos no futuro de Terminus - não é individual, e sim uma disciplina capaz de ser utilizada para manobrar massas.
A partir daí, há um impulso da história a levar os personagens principais e até mesmo os antagonistas que defendem a Fundação a cumprir um "Destino Manifesto". A Fundação deve prevalecer a qualquer custo.
Um dos grandes "inimigos" da Fundação é um personagem que surge no segundo livro. Ele é quase um bicho-papão. O Mulo (sim, o marido da mula...).
Abaixo falo mais...

Algo me incomodou e me incomoda profundamente nesse texto. Cadê as mulheres? Notei isso no início e, ao chegar no décimo capítulo, reclamei em voz alta que não há uma personagem feminina sequer. 
Depois, quando a primeira mulher aparece, ela é "amarga" (sim, há no texto essa admoestação), vingativa e usa como argumento o poder e influência do pai para exigir determinadas atitudes do marido.
No segundo volume fica expresso no texto que as mulheres são consideradas inferiores no futuro do universo Fundação de Asimov. E isso porque a primeira mulher  de destaque na trama é Bayta, e há questionamentos de alguns homens do porquê de ela se sentar com eles como uma igual.  
Bayta não se intimida, mas os outros homens só ficam satisfeitos quando é dito que o seu esposo a trata como uma igual.
Posso estar a forçar a barra aqui, mas isso me incomodou. Tudo bem que a obra foi escrita a partir do fim da década de 1940 até o fim dos anos 1970, mas, poxa, quantas travas, né. Estou sendo anacrônico, mas se isso me incomodou, é porque sinto que eu mudei. 
Oscar Wilde em O Retrato de Dorian Gray cunhou a frase: "Toda crítica é uma autobiografia", e isso vale para mim neste momento.

Voltando ao Mulo. Por que não a ideia do Mulo no livro para domínio da galáxia não seria tão boa quanto à da Fundação? Por causa desse djabo do "destino manifesto" do Seldon. Como já havia um plano, ele teria de ser efetivado...
Quanto à Segunda Fundação, não darei spoilers, mas só digo que a narrativa/explicação é mais de fantasia do que de ficção científica.

O livro é muito bem escrito. Não sei se me repito aqui quando digo que Asimov domina com maestria na obra uma visão de longo alcance em relação a escolhas governamentais e seus reflexos sociais e na vida de determinados indivíduos. Ele nos dá uma lição sobre a importância da História como disciplina e em como decisões com base apenas na economia (como obter os resultados de forma mais eficaz?) não são acertadas a longo prazo.

Resumo da ópera, 3 de 5. 

Lido no Kindle, edição Box Fundação, 833 páginas.

Segue a bela capa da edição especial lançada pela editora Aleph

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Horror Topográfico, racismo e Mythos - um caso Levecraft

Estamos meio que acostumados a ver histórias sobre lugares assombrados - um quarto, um guarda-roupa, uma casa, um carro - mas geralmente essas assombrações provêm de forças ou pessoas já mortas que tiveram uma ligação pretérita com o local por este ou aquele motivo.

Em muitos contos de H. P. Lovecraft, encontramos uma premissa que vai além da casa assombrada; ele nos apresenta a locais que possuem um poder telúrico próprio e que foram, no passado literário, descobertos por nativos e, a partir daí, usados como centros de poder, de culto etc.
Com base nisso, e lembrando-me de outros autores, podemos dizer que existe um Horror Topográfico que vai além dos de uma "alma penada" ou emoção impregnada que habitam determinado local. Essas histórias nos trazem uma localização geográfica específica como protagonista e que desperta nos personagens horrores de diversas miríades.

Após ler os contos Ele e Horror em Red Hook tive vislumbre dessa constatação. Esses contos fazem parte do livro A Cor que Caiu do Céu, em que este conto homônimo foi considerado o marco da entrada de Lovecraft na ficção científica - e nos traz também um Horror Topográfico, mas do primeiro tipo, ou seja, uma força externa que contamina um local.



Vamos primeiro aos de horror.

Ele
O conto, em primeira pessoa, nos apresenta a um narrador nostálgico dos velhos tempos de velhas grandes cidades, tais como Londres e Paris, pois ele não reconhece essa grandeza na Nova Iorque do seu tempo (década de 1920), infestada de "gente morena e atarracada". O narrador é reflexo do autor, pois sabemos que Lovecraft era xenófobo e racista. 
(E penso, com meus conhecimentos, que tanto Londres quanto Paris não o alegrariam mais hoje - ainda bem! - apesar de nunca ter deixado de haver, em maior ou menor grau, incursão de outros povos a essas cidades. Se a obra de Lovecraft foi exaltada postumamente, sua figura humana tem sido cada vez mais apequenada diante de seus preconceitos idiotizantes).

O conto tem uma nota autobiográfica. O primeiro parágrafo, então, é considerado por especialistas como uma descrição do que sentiu o próprio Lovecraft quando se mudou para Nova York após seu curto casamento - ficou na cidade de março de 1924 a abril de 1926, tendo retornado a Providence, Rhode Island. Olha aqui um trecho do conto:
"Minha vinda a Nova York tinha sido um erro; pois ao considerar que eu estava em busca de maravilhas estonteantes de inspiração nos inúmeros labirintos de ruas antigas que se entrelaçavam interminavelmente desde esquecidos pátios, [...] na verdade encontrei apenas um sentimento de horror e opressão que ameaçava me dominar, paralisar e aniquilar." 

"Ele" é uma figura pitoresca e anacrônica que aborda o narrador, pois havia observado as andanças deste pelo bairro de Greenwich.
(...era idoso, mas de boa estirpe, pensa o narrador). "Ele" perguntou ao narrador se não poderia ajudá-lo a explorar o bairro, pois possuía conhecimentos dos locais.

E aqui entro na conjectura em termos de Geomancia - linhas de hartmann e de ley etc.
Há também um expediente usado em outras histórias - só não sei se, com meus parcos conhecimentos, isso era uma constante ou se tornou um tipo de plot recorrente de obras pulp: a Fórmula do Desconhecido que desaparece. Sim, isso, aquele objeto - talvez um McGuffin - que move a narrativa e é mais um apetrecho do que uma entidade.
Deixo ao leitor a curiosidade para descobrir do que estou falando.  

Horror em Red Hook
Foi a primeira vez que li esse conto. Terrível. Difícil moralmente e humanamente falando. Por que moral? Porque os valores sociais hoje requerem respeito a qualquer etnia, às individualidades e ao próximo como um todo. Por que humano? Porque, partindo de uma instância pragmática (William James e Richard Rorty), esses valores são contingenciais, porém vivemos em uma grande contingência, de sei lá quantos mil anos atrás, que é o fato, na verdade a constatação) científico de que somos homo sapiens sapiens, ou seja, temos consciência de nós mesmos e do próximo, e ser um humano é o que me aproxima de outrem. Dessa forma, assim como sofro, o outro também sofre ergo porque eu não quero sofrer, não devo causar sofrimento a ninguém, especialmente por desrespeito a suas origens étnicas e culturais.
Nossa... que digressão. Mas foi válida. Com isso, diferentemente do outro conto, em que o preconceito racial estava no narrador em primeira pessoa, aqui a voz narrativa é do próprio HP Lovecraft, e ele destila (destila não, é grosseiro mesmo!) todo seu preconceito contra pessoas de pele escura, latinos (espanhóis, italianos) e outros.
No segundo capítulo do conto, quando somos apresentados a outro personagem, Robert Suydam, eu fiquei: "peraê, já vi esse nome em algum lugar...". E já! Está na fantástica novela neo-lovcraftiana A Balada do Black Tom, agora com tradução em português, a qual li no kindle há alguns anos. O autor, Victor LaValle, é um excelente contador de histórias - Neal Gaiman level - e deu sua versão para esse conto de Poe (de onde eu tirei Poe!? - acho que meu pré-projeto da pós não sai de mim...) Lovecraft. A diferença - spoilers alert - é que a "entidade do mal" não é Cthulhu, e sim uma dama da qual ouvimos falar muito por causa da Blizzard (Oi, Diablo!) 

Robert Suydam é um ricaço de família holandesa que tem juntado pessoas de pouca fama sabe-se lá para quê. Adquiriu propriedades no Brooklin, em um local pouco considerado pela sociedade, e lá tem feito alguns experimentos e cultos macabros. 
O  policial Thomas F. Malone não era um "detetive do oculto", mas um detetive em busca do oculto. Possuía curiosidade pessoal no caso, porque não ligava muito, óbvio, para as pessoas que estavam desaparecendo. 
Eu costumo enxergar nesses contos de Lovecraft, além do horror cósmico, que aqui não está presente, um Horror Topográfico. Em suas obras, e de maneira preconceituosa, há um senso de comunidade. Nesse conto vemos isso em Chepachet e Pascoag, que ficam em Rhode Island, cidade na qual o policial vive após os acontecimentos fatais do conto.
Além disso, muito do que se passa nesse e no conto anterior está ligado a passagens subterrâneas e a uma "força" que vem da terra, de uma determinada localidade, como se fosse um portal para outras dimensões - algo que tem a ver com as Linhas de Hartmann e Linhas de Ley acima mecionadas e "chaminés cosmo-telúricas" (What!? Oh, yeah!) - vou ficar de olho nisso e escrever mais sobre o assunto, ligado à literatura especulativa, claro.
Para quem lê inglês, recomento efusivamente a leitura desse artigo da Tor.com, editora que publicou The Ballad of Black Tom:
https://www.tor.com/2016/02/17/book-reviews-later-the-ballad-of-black-tom-by-victor-lavalle/

Ah, e se liguem que a HBO vai realizar uma nova série baseada em contos do Lovecraft, na qual trará temas como racismo e outros preconceitos ligados às obras do autor.

A Cor que Caiu do Céu
Minha gente, esse conto foi transformado em filme, filme B! Vi o trailer e é com o ator que amamos porque odiamos: Nicolas Cage. Caramba, tem tudo para bombar... no mal sentido, claro.

Voltando ao conto, foi um dos melhores contos de terror espacial que li - ah, leiam Terror Espaciar da MSP Graphic Novels (uma das primeiras lançadas, e com o Chico Bento).
Muito bem escrito, naquela prosa um pouco rebuscada de Lovecraft, mas que sabe prender o leitor e fazer com que ele deseje mais. Na verdade, vai além disso, chega a causar uma imersão do leitor, uma angústia com o que ocorre... Os melhores escritores conseguem isso, né.

Aqui o Terror Topográfico ocorre com uma pedra que cai do céu e causa uma comoção em um ambiente rural. Algo sai de si... uma cor! E isso transforma a região e as pessoas. Transforma como? Como age? Lê, cilvuplê.

Livro:
Coleção em três volumes da Editora Chronos: H. P. LOVECRAFT, Os Melhores Contos




Edit em tempos de Covid-19. Cristhiano Aguiar, escritor e acadêmico, escreveu este belo artigo sobre A Cor que Caiu do Céu. Ele faz um contraponto lírico e angustiante entre o fascínio literário do inomimado quanto à "cor" e sua natureza e um momento de ausência de cor e calor humano em uma ida, durante a quarentena, à universidade em que ensina. Confiram:
https://www.revistapessoa.com/artigo/2946/a-cor-que-caiu-do-espaco-de-h.p.-lovecraft