segunda-feira, 22 de abril de 2019

Símbolo e Função Transcendente na Psicologia Analítica



 O símbolo. O signo. No senso comum seriam equivalentes.  
Para a Psicologia Analítica, o signo possui já um conteúdo pré-definido. Seria como uma regra jurídica em linguagem não-verbal: uma placa de trânsito de "proibido estacionar", por exemplo - um grande "E" trespassado por uma linha diagonal.
 Já o símbolo traduz um fato complexo ainda não compreendido - ou apreendido - devidamente pela consciência.
O símbolo seria a forma dos conteúdos inconscientes da psique de se manifestar. A linguagem do inconsciente é a linguagem dos símbolos. Permite o encontro do mundo manifesto com o mundo subterrâneo do inconsciente, por isso é fenômeno psíquico objeto de investigação da Psicologia Analítica.
Há uma representação desses conteúdos, uma metáfora, por meio dos símbolos. Seu conteúdo é individual, diz respeito à pessoa que o gera, não sendo portanto um signo, e não pode ser modificado pela vontade individual.

A partir disso, a tutora da pós, Profa. Dra. Andréa de Souza Túbero, deu-me o seguinte exemplo:


<<Vamos pensar num paciente que teve um sonho no qual sua irmã se transforma numa pomba e sai voando. Ele traz o sonho para a sessão e diz ao(a) psicoterapeuta que não compreende, que acha muito louco a irmã ter virado pomba em seu sonho.

Num primeiro momento o que fazemos? Procuramos amplificar, buscar qual o significado de "pomba" para esse paciente; quais as experiências que ele ja teve com esse símbolo, que pode "tudo", entende? Como diz o Hillman, devemos ficar com a imagem e lembrar que é importante trabalharmos com séries de sonhos e não sonhos isolados. (...)

É nesse processo que vai acontecendo a função transcendente. Este símbolo que emerge do inconsciente, e promove a união/confronto dos conteúdos conscientes e inconscientes. Estes conteúdos raramente estão de acordo em virtude da natureza compensatória da psique. E é o(a) terapeuta que muitas vezes faz a função transcendente para o(a) paciente. Conforme o texto:

"Para Jung, é o analista adequadamente treinado que, na prática, faz a função transcendente para o(a) paciente, isto é ajuda o(a) paciente a unir a consciência e o inconsciente e, assim, chegar a uma nova atitude. É nessa função do médico que está muitas das significações importantes da transferência, e por isso é tão importante conhecer o que a exigência escondida na transferência tem em vista, e não tratá-la de forma redutiva - literalmente como uma fantasia sexual infantil - mas em sentido construtivo. É o tratamento construtivo do inconsciente - seu significado e finalidade - que nos fornece as bases para a compreensão do processo que se chama função transcendente."

Assim, o resultado desse processo - sucessivo - além de uma nova atitude consciente, faz surgir também um novo símbolo.>>


Quando o conteúdo do inconsciente se une ao consciente, há uma transposição de limites (transcender), uma compensação entre o aparente isolacionismo do consciente e do inconsciente.

A partir daí, percebemos que a função transcendente é uma transposição de limites, uma compensação entre o aparente isolacionismo do consciente e do inconsciente; um reconhecimento consciente da importância dos conteúdos do inconsciente - dialética - em uma síntese compensatória da unilateralidade, a qual não é excludente, e sim integrativa-complementar. Ela representa o aparecimento de um novo símbolo.


sexta-feira, 5 de abril de 2019

Em busca do materialismo

Disse que faria postagens sobre minhas atividades e trabalhos na pós (em Psicologia Analítica).
Estamos na última semana desse módulo (Aspectos Universais da Psique e o Mistério da Alma Humana), que foi muito produtivo e rico em informações e sabedoria por parte da professora Andrea Túbero - excelente tutora, sensível nas suas colocações e cujos feedbacks me levaram a "pensar fora da caixinha" do que eu havia escrito.
Antes de falar sobre sonhos e símbolos, fomos levados a pensar um pouco sobre o materialismo e a psique.
Temos de nos lembrar que o conceito de inconsciente desenvolvido por Freud - pois sua origem é anterior - no final do século XIX ocorreu em meio ao materialismo no campo científico, ao positivismo no campo filosófico e praticamente em meio à inexistência com preocupações psíquicas por parte da psiquiatria.

Discorremos acerca de uma entrevista com o neurocientista argentino Ivan Izquierdo.

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O conhecimento, então, tem sua origem por meio das funções transcendente -- responsável, em poucas palavras, por uma síntese entre o aparecimento do arquétipo nas camadas profundas da psique e sua percepção pelo consciente -- e de entendimento simbólico, sua função estruturante interpretativa -- em síntese, com a consciência do material inconsciente e sua elaboração, sua compreensão. A partir disso se dá a produção de conhecimento, o que não foi sequer aventado pelo neurocientista Ivan Izquierdo. [Durante a leitura para escrever a atividade, pensei se isso não corresponderia à *epistemologia junguiana*].
Ele sugere simplesmente que o sujeito pode mudar sua resposta a um estímulo, o que seria possível com medicamentos e com a terapia cognitiva, por exemplo.
A psicanálise, para o neurocientista, estaria relegada a ser um exercício estético, incapaz de eliminar as defesas inconscientes do paciente porque não existiria sequer o inconsciente, já que este não é um dado material objetivo.
O inconsciente, contudo, não é materializável, assim como o pensamento não o é, porém pode ser intuído ou ser objeto de uma síntese empírico-dedutiva, o que foi feito por parte de Freud, Breuer e de Jung.
No texto do médico Carlos Amadeu Botelho Byington, que é analista junguiano, este afirma que é um erro simplesmente mudar a resposta a um estímulo, ou seja, “tratá-los para eliminá-los sem entendê-los simbolicamente”, o que evitaria a integração desses conteúdos na psique e uma, no futuro, maior autonomia do paciente, sua ampliação da consciência, sua individuação -- o que seria prejudicial com a simples eliminação do sintoma.
Dessa forma, não apenas os postulados da neurociência estão limitados a um cientificismo materialista sufocante, mas também a psicanálise fica adstrita apenas à interpretação dos comportamentos pulsionais repetitivos do paciente, cujas defesas estariam no inconsciente, sem levar em consideração padrões de comportamentos e recalques conscientes, cujo descondicionamento é defendido por Byington por meio de técnicas expressivas com fundamento na Psicologia Analítica.
A descoberta da linguagem simbólica por Jung como uma das maneiras pela qual o inconsciente se expressa, possui conteúdo para além do que o indivíduo expressa como memórias, arroubos de coisas e “causos” reprimidos etc. Isso não diz respeito apenas àquilo que cada um traz individual e particularmente, mas está além do conteúdo psíquico do consciente e do inconsciente pessoal, ligado à história e evolução da humanidade como um todo, manifestada por meio do inconsciente coletivo, descoberta seminal de Jung. 
Se a amplificação simbólica e o processamento simbólico do que é estudado é um dos métodos fundamentais da Psicologia Analítica, a simples eliminação do sintoma impede a apreensão do conhecimento simbólico e sua integração no indivíduo.
O método materialista sequer leva em consideração a evolução histórica e biológica que se pode atribuir à psique, às manifestações mitológicas, folclóricas etc., ou seja, coletivas e culturais.
Essas manifestações coletivas estão presentes, de alguma forma, em camadas mais profundas da psique humana. Ainda que não seja possível apreendê-las diretamente, elas são trazidas à consciência de maneira simbólica. Jung assim desenvolve o conceito de inconsciente coletivo e afirma que seu conteúdo subjacente são os arquétipos.
Os arquétipos não são transmitidos hereditariamente. Seu conteúdo energético sim, ou seja, a possibilidade de repetição de sua experiência com uma transformação em símbolos que evocam experiências conscientes e inconscientes do indivíduo. A experiência pessoal é única, mas o consciente também não tem acesso ao arquétipo em si, e sim a uma imagem sua como se espelhada, uma alegoria - um mito, um sonho, uma metáfora enfim. O arquétipo é como se fosse o Titã Proteu, nos atrai e se manifesta de diversas formas a depender do momento.
O inconsciente é um dado nulo para a neurociência. A Psicologia Analítica e seus teóricos e práticos demonstram o contrário -- sem desacreditar o importante trabalho da ciência materialista, a qual também não é um dado objetivo por si só, e sim parte importante de símbolos e elaborações manifestas no consciente dos cientistas.>>

Esse é o texto.
Há aqui alguns conceitos relativos à estrutura da psique (esta, segundo Jung, engloba tanto o consciente - e o Ego - quanto o inconsciente - pessoal e coletivo).
Conceitos também relativos ao desenvolvimento e à dinâmica da psique: energia psíquica, símbolos, amplificação, integração - função transcendente.


Sonhos Elétricos


Philip K. Dick era há muitos anos, para mim, uma sombra que envolvia Blade Runner. Eu, com pouco menos de dez anos, quando via Blade Runner só para me excitar com a beleza loira de Daryl Hannah, não sabia que esse filme transformaria o que o gênero da ficção científica representa para mim - muito mais do que especulação,  o direito de sonhar pela humanidade, de o indivíduo ir além de seus limites por meio da tecnologia,  de pensarmos em um mundo que não deu certo e em como evitar isso, dentre outras questões.
Li poucos textos de PKD, mas eles têm essas questões que, como disse Nelson de Oliveira, falam de coisas e lugares, mas, essencialmente, de pessoas.
Os textos, os contos do livro Sonhos Elétricos flertam com diferentes gêneros. Parece um livro de contos do Stephen King, mas sem flertar com o terror tradicional. Há sim horror, horror cósmico a la Lovecraft. (Não vi ainda a série do Amazon Prime, mas me pareceu, pelo trailer, que as adaptações foram feitas com uma iluminação otimista, e o tom dos contos é algo mais para o dark/noir).
Só espero que vocês leiam antes de assistir a quaisquer dos episódios.
Ou melhor, não assistam, leiam.

Voltando a Blade Runner, o livro do caçador de ovelhas elétricas é muuuito bom. Ele na verdade serve como uma antecipação ao filme. São textos que dialogam entre si, e o roteiro do filme é excepcionalmente bem escrito.

Pintura de Emily Balivet