sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Meu primeiro Dostoyevsky

O primeiro Dostoyevsky a gente não esquece. 
Tô seguindo uma lista de leitura recomendada e vou dar continuidade, porque senti a força da escrita do autor russo, mesmo julgando um pouco pueril esse flerte dele com o Romantismo.


Esse livro foi escrito um ano antes de sua prisão e quase morte por fuzilamento. E ele ainda passou dez anos em degredo. Quero ler seus livros dessa fase, óbvio.

Noites Brancas é uma novela, os personagens aparecem em um determinado ponto e são largados em outro ponto. A estrutura é de uma peça teatral, e com um pé no fantástico - antropomorfização de coisas e bichos. 
Há também um pé no romântico, e os diálogos são um pouco caricatos - tudo é arrebatador pro coração perdido... Não quero dizer com isso que não seja bem escrito, pelo contrário! Dostoyevsky demonstra sua força em construir belas imagens, tanto da alma humana quanto da paisagem em que se encontra o narrador, o Sonhador.

E quanto ao Sonhador, apesar de haver uma vela acesa ao Romantismo aqui, são belíssimas as passagens relativas à sua solidão e sua vontade de compartilhar os momentos vividos e a beleza do seu olhar em relação ao próximo e à cidade que o cerca - a tristeza da cidade também, visto de observada sob a influência dos humores do Sonhador.

(Lido no Kindle, ed. Penguin - Cia das Letras; tradução de Rubens Figueiredo)

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Valentina em poesia

Antes da minha filha nascer, escrevi um poema inspirado na sua abstrata presença.

VALENTINA

Vibra, vigora o vaticínio:
vem, virtude;
viaja o vespertino véu
via ventania e vagar.
Vai, voraz, verter o verso
no vergel da vida.
Viva, Valentina, viva.

domingo, 3 de novembro de 2019

Ao Amor e à Dor (QUIMERA)

Ao Amor e à Dor

Abraçar o mundo é reconhecer limitação intelectual (e ao mesmo tempo não deixar de ser presunçoso).
Isso reconheço em mim, agora.
Não o abraçar o mundo, sim a limitação intelectual. É um sentir.

Luto contra a ignorância e em prol de um amplo e vasto conhecimento, só para saber que esse mergulho é no raso.
"Eu tenho que saber as coisas". Eu me agarrei inconscientemente a isso?

Releguei ao vácuo as emoções e sentimentos, daí veio um desajuste na vontade, meu desejo era o dos outros, desde que eu pudesse auferir... o quê? Um gozo momentâneo? Era o fim da busca e... o vazio. Um mergulho no raso, sim, do vazio. 


QUIMERA

Na infância, a moral. Lúcia Helena Galvão, citando Platão, disse: "Primeiro formar [a criança] para depois informar". Para mim e minha irmã, foi a moral dos meus pais, o que eles achavam ser o correto dentre lições recebidas dos seus respectivos parentes e por conta de convivência (e por que não conveniência?) social - meu pai, o rebelde, era "faça o que eu digo, mas não o que eu faço"; minha mãe, influenciada pelos irmãos (assim penso e digo durante anos de observação), agia como se desejasse secretamente que fôssemos os melhores (ela não agia na matéria, como alguns tios, que tanto falavam como incentivavam e impunham suas vontades aos filhos nesse sentido) - era uma competição silenciosa, coitada, marcada até hoje por um complexo de inferioridade.
Como? Em ações, frustrações, depressões. Potência e ato. Assim como eu. Segui essa trilha de maneira pior: com uma extrema intolerância a frustrações, aos percalços, à saída da zona de conforto.

O entretenimento era meu refúgio: jogos, quadrinhos, História, livros... e quando eu tinha de enfrentar algo que me estressasse, eu dava para trás: medo do fracasso, um verdadeiro terror; de não corresponder aos outros, a Narciso; medo de temperar minha vaidade com os ingredientes errados. E de onde surgiu essa necessidade, essa curiosidade/indolência mórbida? Desde pequeno, pelo menos. E então foi bom saber coisas que os outros não sabiam, porque eu adivinhava e reconhecia no outro a satisfação em mim do conhecimento. Sim, reconheço: quero saber mais do que o outro, quero que eu saiba mais do que o outro. E sou sincero quando digo que não quero impor isso, não quero impor minha vontade, não. Talvez em outra vida, em outro contexto, não nesse. É uma luta do Ego contra o Espírito/Alma - Animus e Anima.
E a Sabedoria? Enciclopédia, Oráculo... não, QUIMERA!

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

O Palácio de Inverno

O palácio de inverno.
Narrado em duas frentes temporais: do passado ao presente e do presente ao passado, com capítulos alternados.
A história é bem contada, especialmente quando narra do presente ao passado.

Não vou dar spoilers, apenas dizer que se trata de um relato em primeira pessoa sobre um casal que fugiu da Rússia pós Romanov e foi parar na Inglaterra. 
Há cenas belíssimas, de uma profundidade no caráter dos personagens; as mentiras que vamos descobrindo como leitores; os sentimentos revelados nos atos.
A relação do casal com o neto, com a filha, momentos de crise no relacionamento; a participação da mulher na economia; o período entreguerras e o colaboracionismo do narrador (ficou muito massa essa abordagem), tudo isso nos mostra que o cotidiano dá um baita caldo literário...

Mas algo me incomoda no tipo de enredo que ele escolheu: os personagens não carregam a história, e sim são definidos pelo que o autor pretendeu, como se fosse um romance histórico. 
No meio do livro eu já sabia sobre dois acontecimentos cruciais - ambos históricos - em que os personagens principais estavam envolvidos. O leitmotiv do livro achei muito bom, afinal é o que dá o início à narrativa, mas no segundo era totalmente dispensável a participação de Geórgui Jechmenev, o narrador.
Ficou a sensação de clichê e de que o autor forçou a barra para pôr Geórgui em determinado local e em determinado momento.

Boyne usa por vezes um vocabulário desconhecido por mim, assim eu aprendi mais... Isso se deve ao fato de que o protagonista, Geórgui, ficou apaixonado por livros quando entrou em uma biblioteca palaciana e, na Inglaterra, seu emprego foi ser justamente bibliotecário.
O que mais me fascinou em Geórgui não foi seu vocabulário, tá, pedante basta eu hehehe - e o que é mérito de John Boyne - e sim em como o autor utilizou a regressão temporal para nos mostrar como o personagem ganhou as cicatrizes - físicas e mentais - que conhecemos de antemão.   

Bom e enfim: esse é o primeiro livro que leio do autor, e ficou a sensação de que ele é um escritor que se repete nos plot twists (vi o filme de O Menino do Pijama Listrado), mas não negaria a leitura de outro livro dele. 



domingo, 13 de outubro de 2019

Legado Lovecraftiano

Ainda sou muito stephenkingiano (apesar de não ter lido nem um terço das obras deste), mas tenho me aventurado cada vez mais no universo lovecraftiano, e busco isso agora de uma maneira transmidiática, mas isso são outros quinhentos.

Busco, também, autores que trazem essa influência de Lovecreft em sua obra e os seus contemporâneos, com quem ele chegou até a se corresponder, como Algernon Blackwood e Clark Ashton Smith


Dos nossos contemporâneos, gosto muito do Victor Lavalle, de quem já falei um pouco, mas agora tenho buscado obras, por sugestão de leitores americanos, do Thomas Ligotti

Enquanto garimpava títulos desse autor, me deparei com este de não ficção: The Conspiracy Against the Human Race, no qual ele quer nos falar sobre horrores tão reais que parecem ficção.

Para quem compreende ingês, vai aqui um pouco sobre a obra: 




sexta-feira, 11 de outubro de 2019

"Tragam seus mortos", ou James Joyce e a dança da vida

Os Mortos.

Escrito quando Joyce tinha entre 25 a 27 anos. Son of a gun!

Minha ideia inicial era escrever sobre Dublinenses, a festejada coletânea de contos do autor. São textos em que ele...
Falo sobre o resto do livro depois.
Aqui quero celebrar esse conto que considero um dos melhores textos que já li em minha vida. 
E como li só há pouco tempo, além dos quarenta anos, e sendo um leitor bem melhor do que há vinte anos, estou certo de que é uma obra-prima.
Destoa muito dos outros contos de Dublinenses. Apenas na primeira página você já nota o quanto Joyce nos diz tanto com tão poucas palavras, confiando que você, leitor, vai captar as idiossincrasias das personagens, a maneira como o autor mostra os acontecimentos em vez de descrevê-los - show don't tell.

A par das inúmeras figuras marcantes do livro - Gretta, as Srtas. Morkan, Freddy... - e outras nem tão marcantes, mas com papel central no desenrolar dos acontecimentos, tais como Molly Ivors e Lily - é inescapável que a trama é tecida ao redor de Gabriel Conroy - professor, escritor, orador, poeta...

A história de Os Mortos é permeada de símbolos, metáforas: temos logo no início Lily, lírio, flor ligada aos funerais, com sua brancura e a da Dublin cercada pela neve; alusões às Melodias Irlandesas de Thomas Moore, em que uma das mais conhecidas é "Ó, vós, os mortos!". Vejo, e aqui é uma egolombra, esse diálogo, ou melhor, essa dança entre os vivos e os mortos em todo o conto: na música, na quadrilha, na comida do jantar, nos nomes, no fim do período natalino etc.
Joyce faz um uso magistral do discurso indireto livre, e as vozes narrativas, que no início confundiram esse leitor desatento, é indício para nós do quanto o narrador pode mentir descaradamente. E que prazer descobrir esses enganos, propositais ou não.
O conto de Natal pode ser dividido em três atos principais, assim imagino - o início, com a chegada dos convidados na casa das tias de Gabriel, as Srtas. Morkan; o meio, quando começam as danças até o jantar ou a saída dos convivas e, por fim, da saída dos convivas até o final, ou da chegada dos Conroy - Gabriel e Gretta - ao hotel.

Não vou estragar o prazer de quem não leu - só um pouco. Quero aqui falar sobre Gabriel, e comparar a algo com o qual creio de que somos feitos - mitos. Mitologemas, para ser mais exato. Arquétipos, para ser mais amplo.

Gabriel encarna aquilo que se costuma chamar de unilateralidade da personalidade consciente. E, com sua persona inflada, não reconhece a própria vulnerabilidade, os espaços - ou vazios - obscuros dentro de si. Não reconhece o outro por ser muito cheio de si, isso sim.
Ele é o Arcanjo da Anunciação, o Orador, aquele a quem as principais atenções parecem ser dirigidas. 
Ele parece ter se identificado com um poder divino interno.
Um tema que predomina nos textos de Joyce é o Renascimento Irlandês - o amor às tradições, símbolos e arte da pátria. 
Em alguns dos textos, vemos mesmo o viés político desse patriotismo, anterior à independência irlandesa. Como exemplo, temos o conflito entre católicos e protestantes. Ser um irlandês é ser papista, enquanto os protestantes são fruto das escolhas de Henrique VIII, ou seja, dominados e aliados aos ingleses.
 Gabriel, levado a esse assunto por Molly Ivors, quer estar por cima da carne seca, parece ser um cosmopolita europeu, e não um bairrista de um país sob o império do Reino Unido.
A forma como ele se sentiu humilhado por Ivors, a maneira ríspida como Lily lhe respondera no primeiro ato, e toda a excitação febril ansiada e barrada por outro poder divino - Micheal Furye, arcanjo Miguel, o Furioso, o guerreiro matador - só me fazem pensar que em sua hybris, em sua personalidade inflada, se afastou de sua medida humana, seu metron, e apenas lhe fora aberto o caminho para sua reconciliação com a parte perdida de si mesmo no fim do livro, ao perceber a força das coisas "mortas" - ideias, sentimentos, ou seja, a vida interior, sua e do outro.


Lido no livro


Dublinenses (Dubliners)

Tradução de Caetano W. Galindo
Companhia das Letras/Penguin


Gosto muito da capa da edição da Ed. Autência;  de 2006, creio eu. Ela é o registro do discurso de Gabriel quando do jantar de Natal.

sábado, 5 de outubro de 2019

Trouble Man

Aquele que provoca problemas, aquele que é o problema?
No mês de setembro tornou-se tradição uma preocupação com doenças mentais tais como depressão e outras questões que podem levar ao suicídio.
Outro dia estava falando com meu pai sobre a morte de Marvin Gaye, e não chegamos a uma conclusão - eu achava que ele tinha sido morto no camarim de algum show (tirei isso de alguma memória fictícia) e meu pai dizendo que tinha sido em casa, durante uma briga com Marvin Sr. enquanto o cantor estava sob efeito drogas.
Meu pai estava no caminho certo, mas não houve briga causada por efeito de entorpecentes.
Marvin Gaye queria se matar.
Sua relação com o pai sempre fora conturbada, desde a infância. O pai era um pastor que praticava cross-dressing, e Marvin Gay - na época - sofria bullying de colegas e, em casa, era perseguido pelo pai por ter um temperamento sensível - depois ele acrescentou um "e" ao seu nome artístico.
Em turnês, Marvin Gaye era usuário de cocaína, bebia muito, e não gostava dessa vida na estrada.
Talvez por ter consumido o dinheiro ganho nas farras, talvez por seu temperamento introvertido, ele não conseguiu amealhar muita grana e esporadicamente ficava na casa dos pais, quando o Jr. e o Sr. sempre discutiam.
Seu pai já havia dito aos demais filhos, inclusive publicamente, que os mataria se qualquer deles o agredisse fisicamente. Após uma briga com Marvin Gaye, em que este chegou até a chutar o pai, a promessa foi cumprida.
Após ler a história, não deixei de me emocionar, mais com o desenrolar na vida do pai, destroçada. Ele se arrependeu muito, conseguiu uma pena leve e chegou até a ser operado de um tumor na base do crânio.
Marvin Gaye queria morrer. Isso ficou muito claro para a família, porque ele já havia falado sobre isso há tempos. Tinha um comportamento paranoico, com mania de perseguição e, após ser alvejado por seu pai, ainda conseguiu dizer a um dos irmãos que finalmente conseguira o que queria. O fim, triste para sua carreira e vida em família.
Obs. Escrevi o post enquanto escuto à trilha sonora de Trouble Man.


segunda-feira, 22 de abril de 2019

Símbolo e Função Transcendente na Psicologia Analítica



 O símbolo. O signo. No senso comum seriam equivalentes.  
Para a Psicologia Analítica, o signo possui já um conteúdo pré-definido. Seria como uma regra jurídica em linguagem não-verbal: uma placa de trânsito de "proibido estacionar", por exemplo - um grande "E" trespassado por uma linha diagonal.
 Já o símbolo traduz um fato complexo ainda não compreendido - ou apreendido - devidamente pela consciência.
O símbolo seria a forma dos conteúdos inconscientes da psique de se manifestar. A linguagem do inconsciente é a linguagem dos símbolos. Permite o encontro do mundo manifesto com o mundo subterrâneo do inconsciente, por isso é fenômeno psíquico objeto de investigação da Psicologia Analítica.
Há uma representação desses conteúdos, uma metáfora, por meio dos símbolos. Seu conteúdo é individual, diz respeito à pessoa que o gera, não sendo portanto um signo, e não pode ser modificado pela vontade individual.

A partir disso, a tutora da pós, Profa. Dra. Andréa de Souza Túbero, deu-me o seguinte exemplo:


<<Vamos pensar num paciente que teve um sonho no qual sua irmã se transforma numa pomba e sai voando. Ele traz o sonho para a sessão e diz ao(a) psicoterapeuta que não compreende, que acha muito louco a irmã ter virado pomba em seu sonho.

Num primeiro momento o que fazemos? Procuramos amplificar, buscar qual o significado de "pomba" para esse paciente; quais as experiências que ele ja teve com esse símbolo, que pode "tudo", entende? Como diz o Hillman, devemos ficar com a imagem e lembrar que é importante trabalharmos com séries de sonhos e não sonhos isolados. (...)

É nesse processo que vai acontecendo a função transcendente. Este símbolo que emerge do inconsciente, e promove a união/confronto dos conteúdos conscientes e inconscientes. Estes conteúdos raramente estão de acordo em virtude da natureza compensatória da psique. E é o(a) terapeuta que muitas vezes faz a função transcendente para o(a) paciente. Conforme o texto:

"Para Jung, é o analista adequadamente treinado que, na prática, faz a função transcendente para o(a) paciente, isto é ajuda o(a) paciente a unir a consciência e o inconsciente e, assim, chegar a uma nova atitude. É nessa função do médico que está muitas das significações importantes da transferência, e por isso é tão importante conhecer o que a exigência escondida na transferência tem em vista, e não tratá-la de forma redutiva - literalmente como uma fantasia sexual infantil - mas em sentido construtivo. É o tratamento construtivo do inconsciente - seu significado e finalidade - que nos fornece as bases para a compreensão do processo que se chama função transcendente."

Assim, o resultado desse processo - sucessivo - além de uma nova atitude consciente, faz surgir também um novo símbolo.>>


Quando o conteúdo do inconsciente se une ao consciente, há uma transposição de limites (transcender), uma compensação entre o aparente isolacionismo do consciente e do inconsciente.

A partir daí, percebemos que a função transcendente é uma transposição de limites, uma compensação entre o aparente isolacionismo do consciente e do inconsciente; um reconhecimento consciente da importância dos conteúdos do inconsciente - dialética - em uma síntese compensatória da unilateralidade, a qual não é excludente, e sim integrativa-complementar. Ela representa o aparecimento de um novo símbolo.


sexta-feira, 5 de abril de 2019

Em busca do materialismo

Disse que faria postagens sobre minhas atividades e trabalhos na pós (em Psicologia Analítica).
Estamos na última semana desse módulo (Aspectos Universais da Psique e o Mistério da Alma Humana), que foi muito produtivo e rico em informações e sabedoria por parte da professora Andrea Túbero - excelente tutora, sensível nas suas colocações e cujos feedbacks me levaram a "pensar fora da caixinha" do que eu havia escrito.
Antes de falar sobre sonhos e símbolos, fomos levados a pensar um pouco sobre o materialismo e a psique.
Temos de nos lembrar que o conceito de inconsciente desenvolvido por Freud - pois sua origem é anterior - no final do século XIX ocorreu em meio ao materialismo no campo científico, ao positivismo no campo filosófico e praticamente em meio à inexistência com preocupações psíquicas por parte da psiquiatria.

Discorremos acerca de uma entrevista com o neurocientista argentino Ivan Izquierdo.

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O conhecimento, então, tem sua origem por meio das funções transcendente -- responsável, em poucas palavras, por uma síntese entre o aparecimento do arquétipo nas camadas profundas da psique e sua percepção pelo consciente -- e de entendimento simbólico, sua função estruturante interpretativa -- em síntese, com a consciência do material inconsciente e sua elaboração, sua compreensão. A partir disso se dá a produção de conhecimento, o que não foi sequer aventado pelo neurocientista Ivan Izquierdo. [Durante a leitura para escrever a atividade, pensei se isso não corresponderia à *epistemologia junguiana*].
Ele sugere simplesmente que o sujeito pode mudar sua resposta a um estímulo, o que seria possível com medicamentos e com a terapia cognitiva, por exemplo.
A psicanálise, para o neurocientista, estaria relegada a ser um exercício estético, incapaz de eliminar as defesas inconscientes do paciente porque não existiria sequer o inconsciente, já que este não é um dado material objetivo.
O inconsciente, contudo, não é materializável, assim como o pensamento não o é, porém pode ser intuído ou ser objeto de uma síntese empírico-dedutiva, o que foi feito por parte de Freud, Breuer e de Jung.
No texto do médico Carlos Amadeu Botelho Byington, que é analista junguiano, este afirma que é um erro simplesmente mudar a resposta a um estímulo, ou seja, “tratá-los para eliminá-los sem entendê-los simbolicamente”, o que evitaria a integração desses conteúdos na psique e uma, no futuro, maior autonomia do paciente, sua ampliação da consciência, sua individuação -- o que seria prejudicial com a simples eliminação do sintoma.
Dessa forma, não apenas os postulados da neurociência estão limitados a um cientificismo materialista sufocante, mas também a psicanálise fica adstrita apenas à interpretação dos comportamentos pulsionais repetitivos do paciente, cujas defesas estariam no inconsciente, sem levar em consideração padrões de comportamentos e recalques conscientes, cujo descondicionamento é defendido por Byington por meio de técnicas expressivas com fundamento na Psicologia Analítica.
A descoberta da linguagem simbólica por Jung como uma das maneiras pela qual o inconsciente se expressa, possui conteúdo para além do que o indivíduo expressa como memórias, arroubos de coisas e “causos” reprimidos etc. Isso não diz respeito apenas àquilo que cada um traz individual e particularmente, mas está além do conteúdo psíquico do consciente e do inconsciente pessoal, ligado à história e evolução da humanidade como um todo, manifestada por meio do inconsciente coletivo, descoberta seminal de Jung. 
Se a amplificação simbólica e o processamento simbólico do que é estudado é um dos métodos fundamentais da Psicologia Analítica, a simples eliminação do sintoma impede a apreensão do conhecimento simbólico e sua integração no indivíduo.
O método materialista sequer leva em consideração a evolução histórica e biológica que se pode atribuir à psique, às manifestações mitológicas, folclóricas etc., ou seja, coletivas e culturais.
Essas manifestações coletivas estão presentes, de alguma forma, em camadas mais profundas da psique humana. Ainda que não seja possível apreendê-las diretamente, elas são trazidas à consciência de maneira simbólica. Jung assim desenvolve o conceito de inconsciente coletivo e afirma que seu conteúdo subjacente são os arquétipos.
Os arquétipos não são transmitidos hereditariamente. Seu conteúdo energético sim, ou seja, a possibilidade de repetição de sua experiência com uma transformação em símbolos que evocam experiências conscientes e inconscientes do indivíduo. A experiência pessoal é única, mas o consciente também não tem acesso ao arquétipo em si, e sim a uma imagem sua como se espelhada, uma alegoria - um mito, um sonho, uma metáfora enfim. O arquétipo é como se fosse o Titã Proteu, nos atrai e se manifesta de diversas formas a depender do momento.
O inconsciente é um dado nulo para a neurociência. A Psicologia Analítica e seus teóricos e práticos demonstram o contrário -- sem desacreditar o importante trabalho da ciência materialista, a qual também não é um dado objetivo por si só, e sim parte importante de símbolos e elaborações manifestas no consciente dos cientistas.>>

Esse é o texto.
Há aqui alguns conceitos relativos à estrutura da psique (esta, segundo Jung, engloba tanto o consciente - e o Ego - quanto o inconsciente - pessoal e coletivo).
Conceitos também relativos ao desenvolvimento e à dinâmica da psique: energia psíquica, símbolos, amplificação, integração - função transcendente.


Sonhos Elétricos


Philip K. Dick era há muitos anos, para mim, uma sombra que envolvia Blade Runner. Eu, com pouco menos de dez anos, quando via Blade Runner só para me excitar com a beleza loira de Daryl Hannah, não sabia que esse filme transformaria o que o gênero da ficção científica representa para mim - muito mais do que especulação,  o direito de sonhar pela humanidade, de o indivíduo ir além de seus limites por meio da tecnologia,  de pensarmos em um mundo que não deu certo e em como evitar isso, dentre outras questões.
Li poucos textos de PKD, mas eles têm essas questões que, como disse Nelson de Oliveira, falam de coisas e lugares, mas, essencialmente, de pessoas.
Os textos, os contos do livro Sonhos Elétricos flertam com diferentes gêneros. Parece um livro de contos do Stephen King, mas sem flertar com o terror tradicional. Há sim horror, horror cósmico a la Lovecraft. (Não vi ainda a série do Amazon Prime, mas me pareceu, pelo trailer, que as adaptações foram feitas com uma iluminação otimista, e o tom dos contos é algo mais para o dark/noir).
Só espero que vocês leiam antes de assistir a quaisquer dos episódios.
Ou melhor, não assistam, leiam.

Voltando a Blade Runner, o livro do caçador de ovelhas elétricas é muuuito bom. Ele na verdade serve como uma antecipação ao filme. São textos que dialogam entre si, e o roteiro do filme é excepcionalmente bem escrito.

Pintura de Emily Balivet


quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Crônicas oníricas, mitos e contos

Comecei uma pós em Psicologia Analítica (Uniara Online).
Penso em escrever aqui um pouco do material que tenho apresentado durante o curso.
Estudamos nesse primeiro momento, que é o Módulo 2, a linguagem simbólica, os sonhos,  sua interpretação, a psique e suas funções, dentre outros conceitos formulados por Jung.
Como em um sonho desconexo, começamos pelo Módulo 2, e o Módulo 1, que é de introdução à Psicologia, veremos depois (não gostei disso, mas não quis desistir por esse motivo; penso que eu, que sou de outra área, posso dar conta).
Achei que minha especialização em Linguística Aplicada a Práticas Discursivas (Fafire) pudesse me dar um alicerce teórico agora, mas não; por outro lado, já me fornece um alicerce prático, em termos de Metodologia e práticas para trabalhos acadêmicos.
Em um próximo post, falarei sobre linguagem simbólica na visão da Psicologia Analítica. Em outro momento,  quero falar sobre o porquê de Jung e o que quero com esse ensinamento em minha vida.

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Contido

Sou alinhado ao processo de busca pela eterna compreensão das coisas 

(isso está ligado ao Dasein heideggeriano? - creio que sim).
Perco-me em gostos e acho-me em caminhos diversos.
Já fui contido e autocontido.
Já professei, confessei, devassei e, após um não sei, sigo um caminho não marcado, mas bastante iluminado. Possui várias entradas e saídas, alguns umbrais umbigoides, guardiões solipsistas, mas sem retenções. Se as sombras se alongam, é porque a luz é intensa.
Gasto horas, dias, meses, anos... pareço não chegar a lugar algum, mas para se chegar ao cume não é necessário atravessar ao outro lado. 
Aprendi ou me ensinei a me desapegar de doutrinas que me continham; que procuravam, ainda que de boa-fé, me arrebanhar. Não falo de proselitismos, mas sim de um movimento que resvala o inconsciente - ou que é mesmo dessa qualidade - de se preferir o conforto de um dogma à liberdade de uma "eterna" busca - ainda que o horizonte pareça inatingível, ou por causa disso... a verdade tem limites (horos - limite).
Não nos limitemos.
Não nos deixemos ser contidos.

domingo, 6 de janeiro de 2019

Encarcerados



Comecei a ler o romance de sci-fi do John Scalzi (autor do excelente Guerra do Velho) com a esperança de que não fosse apenas uma história que falasse da relação de robôs conscientes e humanos.

Os "Encarcerados" do título não são simples robôs, mas sim humanos acometidos por uma estranha gripe que provoca uma paralisia total do corpo, com a manutenção da consciência como em uma prisão. Por causa de mudanças na anatomia e fisiologia cerebrais provocadas pela doença, e com avanços científicos proporcionados pelos EUA e parceiros comerciais, androides foram criados para dar guarida à mente dos humanos encarcerados.
A doença também provocou a alteração no cérebro de pouco mais de dez mil humanos que se tornaram "integradores", ou seja, permitem que um encarcerado use o corpo desse humano, como se em uma possessão espírita, com a manutenção em segundo plano do integrador que ele possa dar suporte ao encarcerado e evitar que este faça algo estúpido ou seja ajudado quando não consiga ou tenha dificuldade para dominar o corpo ocupado. A premissa básica é essa.

A história é narrada em primeira pessoa, do ponto de vista de um encarcerado, ou haden -  em homenagem à Sra. Haden, a primeira dama dos Estados Unidos, e a encarcerada mais famosa - Chris Shane. Encarcerado quando criança, filho único de uma família rica, querendo independência e sem ter o que fazer após sua formação em Letras - o que é explicado no livro - ele opta por ingressar no FBI, onde foi recém-criado um departamento para resolução de crimes contra ou praticados por hadens.


A trama para mim foi muito óbvia, apesar das tentativas do autor de fazer reviravoltas e criar elipses quanto aos planos dos personagens para capturarem os antagonistas, algo típico de romances policiais de baixa qualidade - apesar disso, o livro é bem escrito, usa boas metáforas, tem diálogos interessantes e possui boa sequência detetivescas.


Um assassinato aparentemente cometido por um integrador em serviço - por isso o envolvimento do FBI - ocorre em Washington DC no período de entrada em vigor de uma lei que acaba ou reduz bastante os subsídios do governo para tudo relacionado aos haden. 


Uma greve nacional dos haden ocorre ao mesmo tempo em que uma passeata e reunião é realizada na capital dos EUA - algo que me remeteu aos Panteras Negras e a Marcha sobre Washington pelos Civil Rights (Direitos Humanos). 


Vários integradores aparecem mais como estofo do que para dar qualidade ao romance,  servem para fazer a história avançar - e me pergunto: se há apenas dez mil integradores no mundo todo, porque aparecem uns cinco em um período de uma semana e em espaço tão restrito? Foi bem conveniente.
Notei alguns clichês em relação a alguns personagens, e não falo dos empresários e políticos ricos que aparecem nem dos Navajos, mas dos policiais, agentes burocratas e outros. Além disso, o autor criou algumas frases de efeito e frases prontas que poderiam ser ditas por dois ou três personagens indistintamente. 


Uma das personagens mais bem construídas foi a da agente Vann, parceira Senior do protagonista. Ela é uma ex-integradora e sua relação com esse período é bem interessante. 

Tenho a impressão de que Scalzi escreveu o romance tendo como pressa um dos principais ingredientes. Os personagens quase sempre têm resposta pra tudo e de forma reativa.
Destaco os conflitos psicológicos de quatro personagens - Shane, Vann, Lucas Hubbard e Cassandra Bell. Não vou elaborar para não estragar.


A questão ética é bem presente no livro, e sempre mostrada, e não contada. Scalzi optou por narrar experiências nas quais os integradores são levados a limites; são postas questões humanas e materiais acerca da manutenção dos corpos dos hadens; o preconceito também é abordado, e também penso que houve clichês quanto a isso, mas a obra nos faz pensar sobre segregação, meritocracia, discurso de ódio.


A ficção científica hard é bem caracterizada no livro, com implicações e aplicações em linguagem de programação, neuroanatomia, economia e negócios.


A tradução feita por Patê Rissatti está primorosa, e a editora Aleph fez um bom trabalho de editoração e diagramação.

No final das contas, o livro é divertido, prende - porque você quer resolver os mistérios - mas a obra parece mais um jogo de tabuleiro para a geração "pera com leite", para a qual tudo deve ser bem mastigadinho e explicado.
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Ebook Kindle.
Editora Aleph.
328 páginas.