quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Kovacic – A Arte de Cozinhar (II)











E por falar em débitos, valha-me minha socorrista divina, Inanna entre os pares. Finalmente encontrei as anotações que fiz quando estive no jantar onde Izabella Lucena foi homenageada (sobre o fato, falei aqui). Hoje, quero falar sobre a comida, sobre o ambiente, sobre a experiência.


Claudio Kovacic, sanitarista, cozinheiro, host e outras coisas, após nos deixar bem à vontade no ambiente – como já disse, também no outro post, casa onde também funciona a ONG a qual ele administra, e onde sempre que o restaurante abre suas portas sofre abrupta mudança – um espaço entremeado por biombos de madeira, reproduções de Andy Warhol e segredinhos espalhados, nos convidou para ocuparmos a primeira mesa perto da cozinha, de onde teríamos o prazer de vermos e sabermos sobre os pratos preparados. É isso, ele nos apresentava cada prato, cada treat culinário, mas deixava um mistério no fim. Com seu sotaque de eslavo falando espanhol, ele disse: “Você não sabe se está comendo o que eu digo ou o que realmente está no prato”.

A homenagem a Izabella teve como tema a Elegância, e isso se refletiu nos pratos servidos.

O banquete – com preço único – possui sete pratos: um petisco; um entre-petisco, e eu ainda não conhecia essa modalidade; uma entrada; três pratos quentes e a sobremesa.

Claudio começou com o petisco: Rosas com Galinha D’Água. Um mini pastel, cuja massa era sequinha e crocante, recheado com a dita cuja da galinha d’água, coentro, picles de cebola e pimenta de tamarindo (leve, mas presente, bela harmonia na intensificação do sabor do pastel).

O entre-petisco foi uma releitura da quiche lorraine: carne defumada, queijo do reino e manteiga, finalizada com um toque de mel temperado com cominho, o que me surpreendeu pela suavidade.

A entrada, um tartelete de salada com pés na Bulgária. O molho, que tinha por base creme de leite, envolvia finas fatias de pepino e presunto.

O primeiro prato quente, muito agradável: um suflê-tempurá de arroz com pimentão defumado; levava um molho de tomate com abobrinha; a receita original levaria queijo azedo, o qual foi substituído por ricota. Creio que o frescor do queijo foi bem harmonizado com o molho. O prato foi servido em uma tijela – um bowl – que convidada ao uso da colher.

O segundo prato quente: uma coxa de frango sobre uma fatia de abacaxi gratinado, tudo coberto com mel de laranja, pimenta calabresa e castanha. Um exemplo de como coisas simples, quando bem feitas, são tão gostosas. Aqui em casa, quando estou sem temperos etc., gosto de grelhar um peito de frango e salpicar limão com pimenta – especialmente Tabasco.

Gostei muito do terceiro prato quente. Um surubim servido com um molho tomate seco e creme de berinjela sobre uma fatia de abobrinha recheada com maçã. Uma característica é que o prato estava muito bem apimentado, na medida.

A sobremesa se chamava Telhas de Vento. Um prato simples, feito com pão dormido – reminiscência de uma época de guerra na Europa, onde restos eram aproveitados e incrementados para dar um pouco de elegância, quem sabe, ao sofrimento de tantos. O pão foi passado em ovos e canela, servido com doce de leite, nozes e uma calda de chocolate amargo com um toque de cereja.

A refeição foi um crescendo. Sensações se acumulavam e compartilhavam espaço com os pratos que seriam servidos. Os ingredientes eram frescos – as ervas são plantadas lá mesmo, e a ansiedade da homenageada – mulher com tão intensa energia – extravasava e nos brindava com mais esse excelente tempero.

Como disse antes, muito do que aqui postei é fruto de anotações. As lembranças agora estão meio perdidas, são como o fundo de um sonho bom, de onde se quer vir sem deixar para trás memórias fictícias, mas de onde tanto desejo brota. 


Enfim, fomos lá com espírito de confraria, e que isso esteja sempre presente em nossas mesas, não como uma tentativa de superação ou medo do fracasso – Vatel que o diga – , porém com aquela sensação preexistente à descoberta do bom gosto, sem alegorias.

PS: Comprei um caderno/bloco de notas. No dia, estava sem um e usei o que tinha em minha mochila. Sem desculpas, dessa vez. Se a coisa tem de ser organizada, vamos pelo princípio.

PPS: Fotos de Mateus Alves.

Um comentário:

  1. Artur,
    está uma delícia o seu Blog! Gostoso de ler! Parabéns!
    Parabéns e obrigada pelo carinho. Sempre!

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