domingo, 17 de julho de 2016

Orgulho, tolerância, aceitação

Em meio à comemoração do Pride e a Paradas da Diversidade, minha timeline nas redes sociais ficou lotada com um chamamento à tolerância, do qual fui adepto. Até que umx benditx (e sinto muito, se for meu conhecido, esqueci quem foi que manterei no anonimato), questionou a tolerância enquanto comportamento ao qual o Outro deve se adequar. Isto é, a nossa tolerância não é senão um aviso que damos para dizer que - “olha, eu te aceito, vai, fica aí com essas tuas reivindicações, mas não incomoda, não cruza a linha”.
E aqui me valho dos ensinamentos do budismo, não como religião, e sim como filosofia de vida, em que suas (quatro nobres) verdades, ou saccāni, são uma síntese dessa filosofia.
A vida é dukkha - a vida é sofrimento.
A causa do sofrimento são os desejos? Não, é a insatisfação, e essa é a causa dos desejos.
Há uma saída dessa vida de sofrimentos causados por desejos não atendidos.
A saída é o Nobre Caminho Óctuplo, consistente em se ter: 1. visão correta; 2. intenção correta; 3. fala correta; 4. ação correta; 5. meios de vida corretos; 6. esforço correto; 7. plena mentação correta; 8. concentração correta*.
“Mas fazer isso é querer que o Outro se adeque a um comportamento alheio” -- para por aí, my friend. Buda dizia que tudo isso adviria da experiência ou da súbita iluminação. Não há imposição a ninguém. Ele apenas ensinou para quem quis ouvir, em seu respeito ou por tolerância (sim, por tolerância, mesmo, pois na época havia essa aceitação velada a qual iremos superar um dia) a ele e a seu grupo de monges pedintes, e sempre persuadiu seus discípulos a não acreditarem simplesmente no que ele dizia. Se aquilo tocasse o coração do bhikkhu ou da bikkhuni, que eles seguissem em frente, mas, em caso de dúvida, a experiência faria a prova.
Vamos colocar isso em prática? Eu me recito isso todo dia, desde que comecei a ter mais interesse sobre assuntos religiosos, aos 14 anos, e sinto que, se eu não tivesse buscado um norte ético, teria feito muito mais asneiras do que já fiz.
A religião foi uma ponte para filosofias de vida diversas. Antes havia essa busca pelo sagrado, pelo outro lado; agora, penso nesse comportamento ético, nessa senda de respeito e amor, de solidariedade e união entre as pessoas. Já o religioso se manifesta, para mim, em práticas -- deixa pra outra postagem!
Não tenho como teorizar melhor, sobre esse aspecto prático ao qual Buda se referiu, do que Herman Hesse em seu Sidarta. Convido-os à leitura. A uma releitura, a um compartilhar das páginas e dos afetos. Sidarta não é o Gautama (apesar de encontrá-lo em uma cena rica de significados), mas também é um questionador, alguém que procura algo além de si próprio em meio à miséria do seu povo, alguém que deixa sua família e lar para conhecer o mundo, para descobrir a inseparatividade em meio à diversidade.
Mas voltemos à tolerância. Ser tolerante é ter desejos e insatisfações, maquiagem frente às diferenças.
Devemos simplesmente respeitar. Pensar o respeito como o fim das normalidades. Pode ser que haja comportamentos mais comuns, em uma gama mais ampla, mas normal… normal é um caminho à tolerância, a continuar a moenda, à separatividade.
Possamos manter a porta aberta à inseparatividade em meio à diversidade, e pensar em ressignificar a palavra tolerância para mantê-la longe de nossos discursos individuais e das práticas sociais e grupais de nossas elites simbólicas.

*Dessa última podemos extrair os conceitos de Samādhi, que leva ao estado de Jhāna ( no páli, ou Dhyāna no sânscrito, ou Ch’an no budismo chinês, ou Zen no budismo japonês), que por sua vez é um estado de concentração de plenitude ou atingimento de uma absorção meditativa completa

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