domingo, 28 de agosto de 2016

Conto - O Duque


O DUQUE

Não era possível. Ele tinha fechado o jogo. Tinha certeza, venceriam por pontos. Colocou o duque lá, na ponta. O parceiro, encardido, enjoado, musicou e deu a vez. Ele sabia que ia fechar o jogo.

Bateram de Duque, que merda: Lá e Lô, e Cruzado! A carroça de Duque...

Pi .... Pi .... Pi .... Pi ... Pi ... Pi .. Pi . Pi Pi Pi Lá vem a Dona correndo. Pi Pi Pi .. Pi ... Pi ... Pi .... Pi ..... Lá vai a Dona correndo.

Parecia avisar que ele perdeu, mandou contar o tempo da última vez que ganhou. Piiii!!! Poderia ser a zombaria, sua zombaria particular, de quem não ganha há tempos. O Real perdido a cada rodada, mas o copo ganho sentado compensa a garrafa em pé. Afinal, ele era um dos Jogadores. Queria jogar...

Como ele não tinha percebido que eles tinham um duque? Ele tinha de ter contado, mas o parceiro não sabia que ele fingia contar as peças. Ficava assim, feito Terence, o mendigo, encostado na barraca de coco, todo de preto e espichado nesse sol, fingindo que não se interessava, fingindo que não pedia dinheiro, fingindo que ia embora. Fingia que contava. Mas Terence não jogava, não. A gente fingia e ele que não. Se escondia na frente de todo mundo e só falava quando falavam com ele. Levantava o braço e cumprimentava a maresia. Era feito a carroça de Duque não contada, uma pedra vesga, olhava e fingia que não olhava.

A Sofrência sacudiu a mesa e as peças se remexeram, pararam, caíram no colo. O Morto ficou ali, morto, as pedras equilibradas de cabeça prá baixo. Ele olhou pras suas peças, olhou pro morto, queria ressuscitar algumas, queria ganhar aquele jogo, queria ficar naquela estufa, mas o melhor era estar na água, se refrescar, na água quente da praia, se benzer no chuveiro salgado do sol. E se perdesse? Se perdesse era ruim, ruim mesmo, ele ia saber. Ia prá outra cerveja, de todo jeito iria, mas iria em pé, soltando graça para se fingir de graça, prá se desviar do quadrado do dominó para a roda da folia. O mar não dava liga, pros companheiros era só o banho antes do PE-15, da Integração...

Tava quente, e o cheiro fedia, fedia a sacolinha da prefeitura que deram pro lixo, prá consciência ambiental, pro homem de verde, para mim e para você. Prá que salvar tanta gente?, ele parecia pensar. Já tem um bocado. Em setenta eram noventa milhões em ação; agora, deve ser quase bilhão. Deixa como tá, se vai, vai. É só mais gente... Na casa dele eram cinco. E pensa que é falta do que fazer? Governo dando dinheiro, bolsa prá família... até certo ponto, quanto mais trabalho, melhor. E ele aqui, de seguro desemprego, olhando pras pedras, o riso escapou. “Tá rindo de quê? Joga nessa merda!”

Ele queria jogar e contava. Contava que tinha cinco pedras na mão. Calculava que era muito esforço para salvar o que só aumentava. É, no barraco o pirraia já dizia que Lula volta. E Dilma num veio também? E num foi? Feito a dona do Pi Pi Pi, quando vem, passa rápido.

A Dona volta. Pi .... Pi .... Pi ... Pi . Pi Pi PiPiPiPiPiPiPiPiPiPiiiPiiiPiiiPiiiii... A Dona cai. E eles bateram de novo. Lá e Lô, e Cruzado, e de Duque. Ah, não, os miseráveis tavam roubando. Esconderam a pedra quando mexeram. Com o olhar ele acusou o Morto, que ficou calado. O rebuliço foi geral! Os homens bateram suas camisas nas costas dele. “Vai ser pé ruim assim lá em casa!”

Piiiipiiiipiiiipiiiipiiipiiiipiiii

“É pé frio”, o outro gargalhava.

“Ei, porra, a Dona, mermão, a Dona!"

Aquilo veio como tsunami e se espalhou. Antes alegria, agora desolação, correria, a Dona no chão, ele olhando prás pedras, e eu já não. “Olha a Dona, pô!”

Ela tava deitada de costas, a camiseta azul arrochada, espalhada pela areia do calçadão, suada. Tava no exercício, era bom um regime, né? A viseira caída, o queixo tremendo.

Piiipiiipiiiipiiipiiiipiiipiiii

Já tinha gente demais, e eu vi mãos nos afastar, um círculo se formar e ele, de alguma forma lá dentro, pôs o boné prá trás e segurou os braços da Dona. Colocou a mão no centro do peito dela, era um prá cada lado, e segurou o pulso da coitada.

Então ele desatacou o relógio e jogou o bicho no chão. Olhou para mim e disse: “Pronto, quero ver agora!”.

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